sábado, 23 de março de 2013

ABOBRINHAS // Nem gato, nem lebre

Luciano Milhomem
Colunista de Alimentação Natural do Gastronomix

Esta é uma história que vale a pena contar – ou recontar.Em 16 de janeiro, a autoridade sanitária da Irlanda declarou ter encontrado traços de DNA de cavalo em hambúrgueres vendidos como de carne bovina em supermercados do país. Governo e empresas relacionadas ao comércio de produtos de carne deram início a uma rigorosa investigação. Diante das descobertas, o governo irlandês decidiu envolver a polícia.

O fato logo se transformou em escândalo, que foi crescendo à medida que outros países da Europa identificavam o mesmo problema. Os europeus, claro, levaram um susto. De repente, deram-se conta de que levavam gato por lebre, ou melhor, cavalo por boi. Seus hambúrgueres, lasanhas, kebabs, entre outros produtos vendidos em grandes varejistas da Europa, continham, em alguns casos, até 100% de carne eqüina.

O escândalo adquiriu ainda maiores proporções porque envolveu grandes companhias de alimentação, normalmente acima de quaisquer suspeitas. Instalou-se a crise, uma crise de confiança, sobretudo. Como ter certeza de que o ravióli à bolonhesa do jantar não continha porções de – sabe-se lá! – carne de gato?

Claro que, além da proibição da venda de certas marcas, houve também drástica redução no consumo de produtos à base de carne nos países afetados, sobretudo nas grandes lojas. Segundo reportagem da agência de notícias Reuters, 60% de seus entrevistados sobre o tema no Reino Unido disseram que estavam optando por comprar de açougues locais, e 25% deles afirmaram que passariam a consumir peças de carne em vez de adquirir o produto processado.

No Brasil, como o Fantástico de domingo 11 de março mostrou, o açougue da esquina pode ser justamente um dos vilões da história, ao comercializar carne de abatedouros ilegais. Anos atrás, o Repórter Record já havia denunciado não só a existência desse tipo de abatedouro como também o abate irregular de cavalos, cuja carne se misturava à de boi em numerosos açougues brasileiros.
O escândalo europeu logo deu margem à discussão: afinal, carne de cavalo faz mal? Há duas questões em jogo nesse episódio. Em primeiro lugar, a questão cultural. Há países, como China, França e Indonésia, entre outros, onde a carne de cavalo é bem aceita na culinária local.
Em outros, está fora de cogitação. Se a embalagem não comunica corretamente ao consumidor a composição do que vai dentro dela, há quebra de confiança. Em um mundo globalizado, onde pessoas e mercadorias circulam largamente, esse tipo de comunicação é indispensável – e obrigatório por lei.


Em segundo lugar, há a questão da saúde pública. Independentemente de se apreciar a carne de eqüinos ou de ela ser saudável, como garantem alguns nutricionistas, ela deve estar livre de determinadas substâncias nocivas ao organismo humano. Não era o caso de alguns produtos à venda nas melhores (?) prateleiras da Europa.


Devo admitir que, diante do noticiário sobre carne de cavalo misturada à carne de boi, senti alívio por não comer carnes. Mesmo quando ainda as consumia, tinha resistência a todos os tipos que não fossem de boi, porco, frango ou peixe. Jamais ingeri carneiro, tartaruga, jacaré. Apesar de vegetais também poderem conter elementos nocivos, como agrotóxicos, há sempre a possibilidade de lavá-los bem. O que vem nas carnes – sobretudo depois de convertidas em bifes, estrogonofes, hambúrgueres – não se pode ver.

O escândalo da carne européia talvez leve alguns a tomar mais cuidado com o que comem e com a origem dos alimentos e finalmente cogitar a hipótese de interromper ou ao menos reduzir o consumo de carnes. No mínimo, terão uma preocupação a menos. Afinal, é impossível sair do supermercado com cenouras em vez de berinjelas ou confundir o sabor do repolho com o da couve-flor. No prato vegetariano, não há gatos nem lebres, cavalos nem bois.

Nenhum comentário: