Clemente é um morador de rua que andava meio borocochô com a
solidariedade alheia. Aqui e acolá, estendia as mãos e só sentia o vento. Com
vastas noções de marketing, tentou alterar o discurso. Passou a dizer: “Sabe
aquela moedinha que você esquece no bolso? Aquela que cai no sofá quando você
chega bêbado em casa? Sim, aquela que sobra da sua tintura mensal. Ela me deseja.
Ela morre de amores por mim”. As pessoas
olhavam para ele como se fosse um ser esquisito. Nem uma de 25 centavos caía em
sua graça.
Havia uma maré de azar sobre Clemente. Desde que largou a vida de
vereador numa cidade pequena para se lançar ao sereno das ruas, não tinha encontrado
um ombro para chamar de seu. Ele trazia numa mochila um álbum de fotografias
para comprovar o passado inacreditável. Lá, habitavam a imagem do dia de posse
e até a foto de Thalita, o pivô do abandono da vida com RG e CPF.
O sonho de Clemente era sentar com alguém para contar o infortúnio. O
dia que flagrou Thalita fazendo “o que não devia” com Thaurus, o cão de
estimação que ele criou desde pequeno. O pior: em sua cama, com o mais fiel dos
amigos. Machista, Clemente não pensou duas vezes. Expulsou Thalita de sua vida
e calou para sempre os latidos de Thaurus.
Pobre cachorro. Pobre Clemente. Tão irracionais.
De tempos em tempos, Clemente via Thaurus pelas ruas, como um fantasma.
Ele saía correndo atrás do amante da noiva. “Thaurus, por quê? Por quê?”. O
cachorro gargalha e dizia: “Clementina, me bata um abacate”. Numa noite de
delírio, Clemente avistou uma mala cor de rosa próxima a um poste. Abriu e
encontrou um mundo de lingeries, vestidos, blusas, saias e uma infinidade de
acessórios (muitas perucas) e maquiagem. Pensou em vender tudo num brechó da
esquina, mas a dona fez cara de nojo e dispensou o suposto comerciante.
Era uma tarde frienta e a temperatura maltratava o corpo desprotegido
do nosso rapaz sem eira nem beira. De repente, ele, que imaginava se livrar
daqueles bagulhos femininos, teve um impulso. Arrancou um longo vermelho de
seda barata e cobriu o corpo. Saiu dali, com este visual impróprio pela
calçada, arrastando a mala cor de rosa. Nem percebeu que os carros começaram a
buzinar. Alguém gritou da janela de um ônibus: “Absurda!”
Só no meio do caminho, ganhou uma meia dúzia de sorrisos e, pasmem,
oito reais e vinte e cinco centavos. Sem dizer nada. Sem sequer, estender as
mãos. Chegou à beira-mar, foi até a areia, largou a mala cor de rosa, arrancou
a roupa e mergulhou fundo, cortando as ondas, como uma musa caquética do Fantástico.
Saiu congelado, vestiu uma suave lingerie, pôs uma calcinha de babados e
cobriu-se com o vestido vermelho. Ajeitou o rosto. Pôs um batom rosa-chá,
passou um pó de arroz nas bochechas e cobriu o cabelo ralo com uma vasta peruca
castanha de cachos. Quando chegou ao asfalto, já atendia por Clementina,
absolutamente sedutora.
Por onde passava, Clementina abria um rastro de galanteios, de moedas,
de notas de dois, cinco, dez, vinte. O dinheiro tava jorrando. O português de
um bar se encantou pela moça e ofereceu um galeto assado com farofa de ovos.
Fez um convite para ela trabalhar no bar e não escondeu que estava arrastando
as asas para a donzela de rua. Clementina se fez de difícil, mas, uma semana
depois, era só gemidos na cama imensa do enamorado lusitano.
Hoje, Clementina toma conta da galeteria. É uma senhora fina, que
desfila com dois poodles castrados pelas ruas. Não quer ser surpreendida de
novo. Costuma levar um saco de moedas para distribuir para os sem-teto que
atravessam o caminho. É feliz com sua vidinha, mas ainda tem os delírios o cão
Thaurus. De vez em quando, ele aparece
gargalhando. “Clementina. Ah, me bata um abacate!”
O ABACATE DESTA SEMANA VAI PARA...
o homem que resolveu ejacular no café da colega de trabalho. Por favor, nem todo mundo gosta de café com leite. Leia mais aqui.
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Um comentário:
Velho, Thaurus é um comedor. rarará
Loiro Jones
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