Cronista do Gastronomix
Eu adoro antropofagias, mas igual à que a socialite Celinha faz num
terraço luxuoso de Copacabana estou para ver. Uma vez por mês, ela convida
amigas riquíssimas da alta carioca para um evento discretíssimo. Os
preparativos começam logo ao amanhecer quando uma decoradora chega com 120
rosas vermelhas especialmente cultivadas. As pétalas são aveludadas e cada
flor, quando aberta, tem o tamanho de um rosto de uma coruja adulta. Logo depois, o bufê atravessa o hall de
entrada com caixas e mais caixas de espumantes importados do tipo rosé e
iguarias reservadas em travessas de tradicional louça inglesa.
No terraço, todas as mesas estão cobertas por toalhas brancas rendadas.
A alvura, aliás, predomina na decoração e só é quebrada por esse vermelho
intenso das rosas, que lembra a boca de batom marcada na gola da camisa do
marido fanfarão, àquela que estraga qualquer casamento. As convidadas atravessam
o salão, todo trabalhado em porcelanato italiano, exibindo as bolsas e as roupas
de pura grife. No caminho, encontram os garçons de fraque e bebericam água de
borbulhas francesas. Ao centro, entre cortinas translucidas, um quarteto de
cordas toca música instrumental brasileira. No repertório, o melhor de
Pixinguinha e Heitor Villa-Lobos. Pense
num requinte.
A anfitriã Celinha surge elegantíssima, sempre com um vestido que nunca
mais vai repetir. Agradece a presença de todas e, em discurso econômico,
defende a importância da solidariedade dos ricos aos negativados (adjetivo da
moda no Brasil). As mulheres abrem as bolsas e tiram o que pode. Euros,
dólares, reais e cheques polpudos são despejados numa arca de ouro, que Celinha
trouxe de uma viagem ao Egito antigo. O clima de chá das cinco segue quando um
movimento altera o compasso da festa.
Duas cortinas vermelhas se abrem e três homens vistosos e de troncos desnudos
tocam um atabaque contagiante. As convidadas correm coreograficamente como
pombas urbanas em revoada. A luz do ambiente cai. Celinha avança ao centro do
salão em velocidade mínima. Sob um foco de luz intenso, parece se concentrar em
si. Fala algo inaudível. Aperta uma mão contra a outra. De repente, todas as
socialites invadem o ambiente, agora irreconhecíveis em turbantes e vestes de
baianas estilizadas. Só não lembram mucamas por um detalhe: o excesso de cristais
Swarovski aplicados sobre as golas, babados e bainhas. Elas dançam em torno de
Celinha. Mas não aqueles passos de candomblé. Algumas, visíveis bailarinas do
passado, fazem até uma meia-ponta com os pés, outras movimentam-se com um lenço
de seda ao vento à la Isadora Duncan. Fecham uma roda em torno de Celinha, que
só se abre quando uma gargalhada possante ecoa pelo ambiente.
Celinha não é mais Celinha. Ri, bati ombrinhos e embola a voz. Está
incorporada pela Maria Navalha, uma poderosa e respeitada entidade da Umbanda.
Todas as socialites comportam-se como serviçais dessa rainha negra. Duas delas
tiram de um legítimo biombo chinês um vestido vermelho de seda pura, desenhado
por um famoso estilista francês, e vestem o corpo possuído de Celinha. Outra
traz uma joia de rubi de preço incalculável à primeira vista. Devidamente
paramentada, a Maria Navalha ganha cigarrilhas importadas de Cuba e espumante
francês. Nesse momento, os garçons, agora vestidos com cangas africanas, servem
às participantes acarajés com espumante.
Apesar de tantas facilidades, a Maria Navalha de Celinha é firme nas
questões espirituais. Pede para as mulheres compaixão com os desvalidos e abre
uma roda de atendimento, na qual cada uma tem direito a uma pergunta de cunho
pessoal, que deve sempre ser dita à frente de todas as companheiras. Há quem
pergunte sobre qual o melhor destino para a próxima viagem ao exterior. Ou se
devem ou não partir para a vigésima intervenção plástica. Educadíssima, a Maria
Navalha discorre como uma psicoterapeuta e passa “receitas” variadas para abrir
os caminhos. Para uma delas, sugere uma tradicional galinha preta com farofa na
encruzilhada. A moça pergunta se não poderia trocar por um faisão com cuscuz
marroquino. A entidade ri e avaliza.
As mulheres aplaudem, giram, dançam e cantam um ponto de Maria Navalha
em inglês. Acreditam que fica mais sonoro. Feliz, a entidade se despede.
Celinha rodopia. Quatro rapazes, caracterizados de escravos bizantinos, avançam
pelo salão segurando em cada mão a ponta de um edredom recheado com penas de
gansos canadenses. Colocam a peça sobre o piso e Celinha cai desfalecida para o
fim do transe. Um casal de paramédicos acompanha tudo, tira a pressão e
verifica os batimentos da médium. Antes de recobrar a visão, o quarteto de
cordas volta ao ambiente e as mulheres retomam as etiquetas.
Celinha contabiliza as doações. Amanhã, vai em comitiva entregar cada
centavo a um orfanato em Realengo. Lá,
aliás, a Maria Navalha baixa, fuma charuto barato, bebe sidra e rodopia no chão
batido com a mesma desenvoltura. Quando perguntei se ela sentia saudades do
luxo de Celinha, gargalhou. “Nego, ali, se botar um trago da cachaça no
estômago da grã-fina, ela empacota. Por isso, aguento tanta frescura. Agora,
acarajé com espumante é quase um sacrilégio. Vejo aquilo e peço ao guia-maior: Pai,
me bata um abacate!”
O ABACATE DESTA COLUNA VAI PARA...
A pastora, que jura ser ex-lésbica, disse ter visitado o inferno 15
vezes e encontrado um Vale de Homossexuais, visto por ela em diversos ângulos.
Sei...
Um comentário:
Eu quero ir nessa macumba
Bjs Serginhooooooooooo
Luiza
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