Sandro Biondo
Colunista de Café do Gastronomix
Prezada Isabela,
Não sou barista, especialista, crítico ou algo que o valha. Na verdade,
nem arvoro me considerar grande entendedor de cafés. Neste espaço quinzenal a
proposta, por diletantismo, é exercer o achismo palpiteiro e irreverente que
muitos de nós, brasileiros, praticamos sobre algumas áreas de interesse - seja
o futebol, o samba ou mesmo o café. Para autoridades no assunto, aviso que
talvez figure como jogo de sete ou mais erros.
Por mais que este seja lugar que busca desanuviar o dia a dia, versando
geralmente sobre amenidades e as levezas muitas que devem acompanhar uma boa
xícara de café, às vezes é preciso falar um pouco mais sério.
Louvado seja seu trabalho árduo como especialista, educadora,
empreendedora e divulgadora do bom paladar cafeinômano, algo a que todos nós,
apreciadores, devemos agradecer de pés juntos. Aqui, já devo ter dado loas a
seu nome ao menos meia dúzia de vezes, reputando-a como grande profissional que
é e sua casa, o Coffe Lab, como templo nacional da quase sagrada bebida.
À ode segue a zanga de vê-la tentando protagonizar movimento em rede
social ao levantar a bandeira "eu também sou brasileira". Segundo seu
relato, você teria descoberto "fazer parte de uma minoria que sofre
preconceito e discriminação: a elite branco-europeia nascida no
Brasil". (Leia texto na íntegra postado no Facebook do Coffee Lab).
Aqui não estamos para julgar a fundo suas razões para isso, seja em
resposta a declarações do ex-presidente da República ou de parte da imprensa.
Mas é inadmissível que me cale frente ao fato de que pessoas como nós (eu,
você, muitos dos leitores aqui incluídos) não são nem de perto alvo fácil de
discriminação e preconceito racial neste país.
Você deve de fato sofrer, como empresária, com a escandalosa carga
tributária, com a miríade burocrática que assola ações empreendedoras, com a
sempre presente ameaça de inflação, com o chamado "Custo Brasil", com
a recessão econômica... é possível até que tenha transposto barreiras pelo
simples fato de ser mulher numa sociedade ainda machista. Mas preconceito
racial, não. Tentar se imiscuir num protagonismo a que não se pertence não é
louvável. E não faz rima à sua boa reputação.
Preconceito racial, social e intelectual quem sofreram e sofrem são os
negros, os pobres, as mães solteiras de filhos múltiplos, os drogaditos à
margem da sociedade, os homossexuais, os devotos das religiões afrobrasileiras,
os portadores de deficiência física e mental e parte maior dos trabalhadores
assalariados em - como se diz - subempregos.
Caetano e Gil, ensinando que o Haiti talvez fosse aqui, talvez não, previram
que imigrantes de diferentes cores e etnias também pudessem sofrer discriminação
sob o sol tupiniquim. Haitianos e negros africanos e asiáticos e egressos de
outros países da América Latina, sim... mas imigrante europeu e suas gerações,
não: sobre este solo se vive, desconfio, o diametralmente oposto a isso.
Cabe lembrar, aliás, que se o Brasil tem hoje envergadura mundial no
mercado produtor de café, a matéria-prima que a glorificou, isto se deve ao
trabalho, suor e até a vidas de escravos africanos trazidos para cá pelas mãos
de colonizadores europeus. Hoje não se fala mais em escravidão. Mas ainda e
infelizmente vigora a ordem na qual se mostra "aos quase brancos pobres
como pretos como é que pretos, pobres e mulatos e quase-brancos-quase-pretos de
tão pobres são tratados".
Nesse sentido, tanto ampla quanto restritamente, seu manifesto é
desserviço: se vale, sim, da democracia. Mas anda para trás nas raias já tão
combalidas do convívio cidadão.
PS: para quem quiser ouvir o lado da barista Isabela Raposeiras, leia entrevista publicada na coluna Terraço Paulistano, da Revista Veja SP.
PS: para quem quiser ouvir o lado da barista Isabela Raposeiras, leia entrevista publicada na coluna Terraço Paulistano, da Revista Veja SP.
2 comentários:
Talvez Isabela não tenha sido muito feliz ao insinuar que a elite branco-europeia sofre preconceito. Mas eu entendi sua atitude, que nada mais foi que um grito contra a luta de classes que esse governo tem promovido. Eu não quero viver num país em que elite e trabalhadores, negros e brancos, héteros e gays, homens e mulheres vivam em pé de guerra. Quero viver num país em que todos sejam iguais e convivam em harmonia! E eu não creio que seja tachando certos grupos de bandidos ou vitimizando outros que iremos dar oportunidades iguais aos trabalhadores, conferir direitos aos homossexuais, incluir os negros e tratar homens e mulheres com igualdade.
Demais Sandro, quanta elegância!
A Raposeiras sempre será um símbolo para nós, mulheres que trabalham com café.
Mas admito ter perdido a linha ao tomar conhecimento de seu "manifesto".
Lendo você, começo a aceitar que hajam formas de falar as coisas onde eu não precise dizer exatamente tudo o que pensei... Hahaha!
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