Por Rosualdo Rodrigues
Itamar Assumpção
era zeloso com a própria obra e exigente com quem se propusesse a
interpretar suas composições. Quase assim como um pintor que preferisse
não vender os próprios quadros. Conta-se que ele disse não a Ney
Matogrosso quando o cantor quis gravar um disco inteiro dedicado a suas
músicas. Esse feito coube, agora, a Zélia Duncan, com o lançamento de Tudo esclarecido, em que ela canta somente músicas do compositor paulista.
O direito de
fazê-lo, Zélia conquistou pouco a pouco, e fez por merecer o privilégio
de estar à frente do projeto. Quando começou a carreira, em Brasília, a
cantora admirava de longe o cultuado compositor, uma das figuras de
ponta da chamada Vanguarda Paulista. Já era famosa quando conseguiu se
aproximar do ídolo e o seduziu pouco a pouco, a cada uma das 11
gravações de músicas dele que fez ao longo de sua discografia.
Conquistado o
direto, ele é pago à altura. Conhecedora da obra e da personalidade de
Itamar, Zélia passeia com desenvoltura pelo fio que separa a
iconoclastia do compositor de vanguarda e a leveza da cantora pop;
equilibra-se lindamente entre possíveis diferenças e muitas afinidades e
traduz com competência o universo poético-musical do autor ao universo
da intérprete.
É curioso que Ney agora entre convidado especial em Isso não ficar assim. Também é curioso como Zélia consegue aproximar Martinho da Vila, que canta com ela É de estarrecer,
do compositor paulista, quando, em princípio, haveria entre os dois uma
enorme distância. São apenas duas de uma sucessão de boas surpresas,
como as versões muito lentas de Noite torta e Mal menor, e a variação de tons, que vai do mais experimental, na ótima faixa-título, ao pop assumidíssimo, na sensual Tua boca.
Tudo esclarecido é
um disco tão exato nas escolhas que resiste à tentação de estender o
repertório, termina quando o ouvinte quer mais. Tem a solidez de um
disco que não foi pensado da noite para o dia. Certamente, começou a ser
forjado na imaginação da cantora quando ainda aspirava à fama e
admirava o compositor de longe. E foi ensaiado a cada música de Itamar
gravada por Zélia em trabalhos anteriores. Nasceu, portanto, maduro,
dando-se à Zélia a liberdade, inclusive, de não se exceder em
reverências.
Lançado já no finalzinho de 2012, pode figurar, sem dúvida, entre os melhores lançamentos do ano que passou.
quarta-feira, 9 de janeiro de 2013
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2 comentários:
Oi Rosualdo: Essa "informação" de que Itamar disse não a Ney é completamente equivocada. Não sei qual foi sua fonte, mas chega ser absurda (rss..) Em 1996, Assumpção deu de presente a Ney o que, segundo o próprio intérprete, seria um "verdadeiro tesouro": um "baú" c/ canções inéditas dele (Ney contou isso num programa do Jô). O próprio Itamar numa entrevista na MTV, c/ o vj Edgar, disse exatamente que se "Ney fizer esse disco só com canções minhas, será a minha consagração definitiva, mas entendo se ele não fizer". Afinal, estávamos em 1997, a indústria não estava de todo falida ainda, Ney estava na Universal, onde a grana e a expectativa de vendas contava muito. Ney acabou não fazendo, pois já estava c/ dois projetos engatilhados, sendo o primeiro deles "O cair da tarde" com o Grupo Uakti e a seguir um projeto de inéditas, no caso, "Olhos de Farol". Não sei se a excelente entrevista de Itamar na MTV está disponível na rede, acho que não, mas quem viu e conhece a trajetória de Itamar, sabe do enorme apreço e admiração que ele (e seus parceiros como Alzira Espíndola e Alice Ruiz) sempre tiveram por Ney, o primeiro artista da ala sagrada da MPB a gravá-lo, ele jamais diria não a Ney, pelo contrário. Não se pode afirmar levianamente uma coisa desse tipo, até em respeito pela memória do genial Itamar, que, infelizmente, não está entre nós pra esclarecer esse tipo de equívoco. Não há nada de "curioso" nem de surpreendente no fato de Ney participar como convidado, uma vez que tem íntima relação (desde a década de 80) c/ o som de Assumpção e de toda a Vanguarda Paulista e foi um grande incentivador pra que Zélia realizasse esse trabalho. Provavelmente vc não saiba, mas o show/tributo que Ney fez c/ os parceiros de Itamar (cantando em trio c/ Suzana Salles e Vange Milliet) no Sesc-Pinheiros no ano passado foi deslumbrante. Há textos e vídeos interessantes na net sobre esse evento.
olá romani,
agradeço muitíssimo seus esclarecimentos. mas, vale ressaltar, não afirmei nada levianamente, apenas usei a liberdade e a descontração de um bate-papo com amigos. daí o "conta-se", justamente porque lembrei de ter lido em algum lugar nota a respeito à época do lançamento do lp "quem não vive tem medo da morte", de 1988 (em que ney canta "chavão abre porta grande"). nota equivocada, como vc me esclarece agora. recebi do sesctv cópia do show/tributo feito a itamar no sesc pinheiros. e assisti, claro. de qualquer forma, observações como as suas são bem-vindas, enriquecem este espaço que não tem qualquer pretensão de ser uma enciclopédia da música popular brasileira.
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