Ana Carolina Aires (*)
Convidada especial do Gastronomix
Convidada especial do Gastronomix
Sabe aquelas imagens e vídeos extremamente caricatos sobre o Vietnã,
sobre um trânsito caótico em que motos, carros e pedestres concorrem por um
pedacinho de asfalto, tudo ao mesmo tempo agora, sem que se possa entender como
é que no final das contas todos saem ilesos??
Pois é! É tudo verdade!! A ideia vale para grandes cidades vietnamitas
como Hanoi e Ho Chi Minh mas esta é uma realidade muito, mas muuuito distante
quando se pensa na pequenina Hoi An, especialmente em sua Old Town. Nela,
parece que o tempo passou beeem devagar. A cidade antiga de Hoi An foi tombada
como Patrimônio Mundial pela UNESCO por ser um belo exemplo de porto comercial
do sudeste asiático que preservou uma grande parte do seu legado, ainda
ilustrado por templos chineses, casas de antigos mercadores japoneses e
armazéns de chá.
Antes um importante porto comercial do sudeste asiático, hoje Hoi An é
a queridinha dos turistas, que impressiona pelo colorido de suas casas e
lanternas de inspiração chinesa que cruzam as ruas do centro antigo, cheio de
restaurantes, cafés e numerosíssimas alfaiatarias!
No ano 2000, um grupo de locais fundou a ONG Reaching Out (ou Hòa Nhập,
que significa integração), com o objetivo de ajudar portadores de necessidades
especiais por meio da capacitação para o trabalho. Ao fazê-lo, deram um novo
significado para a vida dessas pessoas, a partir da percepção de que elas estão
aptas a integrar a vida em sociedade, a trabalhar e, sim, adquirir a própria
independência.
No início, a ONG mantinha apenas uma lojinha de produtos vietnamitas
autênticos elaborados de forma artesanal pelos integrantes do grupo, a Reaching
Out Arts & Crafts. O lucro proporcionava e ainda proporciona o treinamento
e trabalho dos atendentes e artesãos, portadores de diferentes tipos de
necessidades especiais, os quais hoje compõem um time de setenta pessoas e dão
suporte ao trabalho de outras trinta ao redor do Vietnã.
Já no ano de 2012, o mesmo grupo fundou uma deliciosa casa de chás no
centrinho da cidade, a Reaching Out Teahouse, cujo conceito (como não poderia
deixar de ser) é o de um projeto social de inclusão. O que, porém, a torna tão
diferente e especial são as suas amáveis atendentes, todas surdo-mudas, que ao
longo dos dias se revezam servindo chás e cafés orgânicos trazidos em louças
lindinhas produzidas pelo grupo, sucos frescos e cookies preparados pela casa,
além da atmosfera criada pelo silêncio.
O menu pode ser conferido pelo site
http://reachingoutvietnam.com/wp-content/uploads/2016/07/ro_teahouse_menu-web_en_fa_20160715.pdf
e inclui três tipos de chás e uma infusão, todos orgânicos e vietnamitas: chá
verde (levemente adstringente, tradicionalmente servido como welcome tea no
Vietnã), oolong ou azul (floral, proveniente dos terrenos mais altos do centro
do país, para o qual é recomendada uma segunda infusão), jasmim (o mais
apreciado e vendido no norte do Vietnã, que tecnicamente é um chá verde
aromatizado com jasmim) e o batizado como Red Lantern (oriundo da planta
Cleistocalyx operculatus, que consiste numa infusão de uso medicinal livre de
cafeína, uma mãozinha para aqueles que abusarem das delícias gastronômicas
locais). Para os amantes do chá, o melhor mesmo é pedir o set e escolher três
dentre as variedades disponíveis. O mesmo vale para os apaixonados pelo café!
Nem pense que por ali a comunicação fica prejudicada pelas restrições
da fala. Ao contrário, ela flui perfeitamente graças aos pequenos blocos de
madeira em que foram gravadas as palavras-chave sobre os pedidos essenciais
normalmente formulados numa casa de chás (bill, hot water, cold water, thank
you...).
As atendentes são extremamente cordiais! Invariavelmente, ostentam
aquele sorriso verdadeiro, típico do povo do sudeste asiático! Além de
prestativas, elas são muito, mas muito eficientes! Ao menor sinal de movimento
na mesa, uma já aparecia para saber se precisávamos de algo. Por sua vez, o
ambiente é uma graça e muito acolhedor, daqueles em que parece que todos os
objetos foram meticulosamente pensados e selecionados (porém nada grandioso,
ok)?Deram-nos uma mesa de frente para a rua, o que tornou a nossa tarde ainda mais agradável, com a oportunidade de observar o movimento enquanto degustávamos o nosso chá,
biscoitinhos e o café vietnamita (coado).
Ao final do serviço, as atendentes muitas vezes sugerem que o cliente
compareça à lojinha situada na rua detrás (em frente ao festejado restaurante
Morning Glory, outro must go), caso tenha interesse em adquirir algum dos
produtos que conheceu, inclusive réplicas das louças utilizadas. Por favor, não
interprete como uma proposta caça-níquel! Como a própria ONG explica, as
garçonetes são orientadas a fazê-lo porque as restrições na fala
impossibilitariam uma comunicação eficiente sobre as características dos
produtos. Isto sem falar que muita gente nem sabe que o trabalho da ONG começou
pelo artesanato e não pela casa de chás.
Os preços na Reaching Out Teahouse são ligeiramente superiores aos
praticados nas redondezas mas em geral é o que se espera quando se opta por
produtos orgânicos ou de um seleto grupo de pequenos produtores locais, não?
Isto sem falar que, uma vez revertido para uma iniciativa tão valorosa, o pouco
a mais que se gasta está longe de ser um problema. Ao contrário, dá um sentido
maior à experiência. Já os da loja de artesanato são sim, mais puxados.
No sudeste asiático, tivemos outras experiências de cunho social mas
nada se comparou à que vivenciamos na Reaching Out Teahouse! Digo isso não
apenas pela qualidade do serviço mas sim, e especialmente, por aquela atmosfera
peculiar, para a qual até os clientes cooperam. Em uma palavra: inesquecível!
É uma fofura de lugar!Adoramos contribuir, afinal, muito, mas muitíssimo melhor que dar
esmolas é promover de uma forma mais verdadeira os menos favorecidos,
auxiliando-os a conquistar a própria independência!
As propostas sociais com as quais nos deparamos nessa viagem e,
sobretudo, a dessa específica casa de chás mexeu com todos os nossos sentidos e
em especial com os nossos corações!Foi uma verdadeira lição de vida dada por pessoas de quem tanto se
duvida! Pessoas para as quais tantas vezes olhamos e imaginamos que precisam de
cuidado fazem com que qualquer pessoa saia de lá se sentindo cuidada por mãos
tão aptas e preparadas para o trabalho quanto as de qualquer um.
Enfim, se estiver pela cidade, não desperdice a grande oportunidade de
desfrutar a hospitalidade vietnamita, esquecer dos problemas e prestigiar uma
iniciativa tão bela quanto essa! Você sairá de lá com a alma mais leve! Só, por
favor, não se esqueça: ali o silêncio vale ouro.
Taste the silence! Enjoy
the silence!
(*) Ana Carolina Aires é formada
em Direito. Apaixonada por viagens, chás, cafés e uma boa mesa. Adora
compartilhar as experiências vividas em suas andanças em mais de 40 países
visitados.
Um comentário:
Texto lindo e sensível. Adorei!
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