O Gastronomix estreia nesta quarta-feira a coluna semanal Colherada, escrita pela competentíssima jornalista Erika Klingl, também formada em
gastronomia pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (Iesb). No espaço,
Erika escreverá sobre receitas, harmonização de bebidas com comidas, viagens,
livros, bastidores da cozinha e inaugura, de forma sistemática, o papel de
crítica de gastronomia do Gastronomix – tarefa árdua na capital do país, que será realizada
com muita responsabilidade e respeito aos profissionais do ramo, sem deixar de
salientar os pontos altos e baixos das casas da cidade.
Erika é uma profissional experiente, talentosa
e criteriosa com passagens por veículos como Jornal do Brasil e Correio Braziliense. Além disso, foi editora Veja
Brasília por quatro meses. Espero que vocês gostem desse mais novo espaço. Eu e Erika, cada um de seu jeito, estamos somando esforços para
ampliar a cobertura gastronômica do Gastronomix na cidade, no país e pelos cantinhos no
mundo. Seja super bem-vinda!
Erika Klingl
Colunista e crítica de Gastronomia do Gastronomix
A sala da casa à beira do Lago Paranoá estava às escuras quando o chef
Simon Lau pegou o microfone para conversar com o grupo de convidados para a Festa de Babette, evento no qual ele
recria o jantar do filme, um clássico do cinema e da gastronomia. Na penumbra,
foi possível perceber a emoção do chef quando ele, em seu sotaque carregado,
confirmou o fechamento da casa que há dez anos é uma referência do comer bem e de
ser bem acolhido em Brasília. “Cansei de reuniões com advogados. Cansei de
brigar”, contou. “Gosto mesmo é de cozinhar”.
Nas horas de magia que se seguiram depois, com a exibição do filme e a
degustação dos pratos, foi impossível separar a imagem dos dois chefes, Babette
e Simon. Dois exilados: ela trocou a França pelo frio do interior da Dimamarca.
Ele deixou a Escandinávia pelo sol de Brasília. Ela passou anos guardando em
segredo seu dom para a cozinha. Ele, generosamente, o dividiu conosco. E os dois,
de histórias tão diferentes, se despediram com o mesmo banquete.
No filme, vemos Babette, no século XIX, sempre rodeada pelo cinza da
paisagem e das roupas dos homens e mulheres que a cercam. Apenas no final,
quando ela gasta os 10 mil francos (que havia ganhado na loteria) para realizar
o melhor jantar da vida daquelas pessoas a verdade é apresentada: antes de
fugir da França tomada pela repressão à Comuna de Paris, Babette era chef do
Café Anglais. Naquele restaurante, ela havia criado a receita Cailles en
Sascophage -- um dos principais pratos da Festa de Babette.
Pois na sexta-feira passada, na varanda do Aquavit, a chegada das
codornas recheadas com trufas de verão e foie gras, em uma cama de massa
folhada teve o mesmo impacto. E a comoção foi ainda maior quando Simon, com uma
jarra nas mãos, colocou o molho em cada prato e explicou com carinho a criação
da receita e a procedência dos ingredientes. “Eu trouxe as trufas da Europa, o
foie veio do Brasil mesmo e a massa folhada eu compro no Daniel Briand. É o
único preparo que não é feito na nossa cozinha porque a dele é uma das
melhores”, contou.
Antes das codornas, assim como no filme, foi servido um consommé de tartaruga verdadeira que,
garantiu Simon, veio do Araguaia com selo de autorização do Ibama. Nesse caldo
ambar e incrivelmente saboroso, havia gemas cozidas de codorna. “Aqui no
Brasil, ovo de codorna é comum. Mas lá na Dinamarca é um artigo raro e caro”,
disse.
O segundo prato foi blinis Demidoff com smetana e generosas ovas de
salmão (foto abaixo). Essa espécie de pãozinho russo tradicional, também veio com uma
surpresa. Era mais fofa e úmida que o normal e escoltava com perfeição o creme
branco e as ovas apresentadas com um ramo de endro colhido horas antes da horta
da casa no Lago Norte.
Nesse caso, a história de Simon se impôs à de Babette.
“Minha avó era russa e fazia os blinis com clara de ovo em neve”, entregou o
chef. Para fechar a refeição, queijos e Baba au Rum com frutas secas trazidas
da cidade de Goiás. Simon diz que, na Festa de Babette, deixa de ser um criador
para se transformar num artesão, que recria as receitas do século XIX. Mas sua
marca está presente na escolha dos ingredientes.
Babette fugiu da Guerra Civil francesa. Os inimigos de Simon estão na burocracia. Em uma década, o restaurante não recebeu autorização para funcionar em área residencial, no Setor de Mansões do Lago Norte. “Sabia que esse dia ia chegar. Agora, com calma, estamos negociando um lugar no centro da cidade para abrir um novo restaurante e com preços mais acessíveis. Quem sabe no início do próximo ano.”
O filme Festa de Babette tem
um final aberto. Quando a vela se apaga, na última cena, cabe a nós imaginar o
que aconteceu a ela e aos sisudos aldeões nórdicos, depois daquele banquete
transformador. A história de Simon Lau também está por ser escrita. Longe do
fim, aguardamos novos capítulos.
(*) Erika Klingl é jornalista e
formada em Gastronomia pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília (Iesb). Trabalhou como repórter no Jornal do Brasil e
no Correio Braziliense e foi editora Veja Brasilia. É mãe de Nina, adora viajar,
comer bem e é super fã de vinhos.
Um comentário:
Fiquei com agua na boca - e ainda nem falou dos vinhos!
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