Convidado especial do Gastronomix
“Sua mesa ficava sempre no fundo do restaurante. Sentava de costas para
a parede, decorado por um pequeno jardim que dava um certo ar de varanda. Nunca
consegui chegar antes dele. O vinho, quase sempre o branco italiano Frascati,
já estava servido.
Mário Henrique Simonsen (1935-1997) foi engenheiro, economista,
professor, deu nome a um banco , ex-ministro da Fazenda, especialista e crítico
de música erudita, mas um gourmet de primeira, um glutão por excelência.
Durante anos, pelo menos uma ou duas vezes por mês, tive o prazer de
almoçar com o professor (ele não gostava que o chamasse de ministro), uma aula
de vida e de gastronomia.
Algumas vezes, muitas na verdade, íamos no extinto Saint-Honoré, que ficava no topo do Méridien, famoso pela cascata do Réveillon, em Copacabana, e hoje substituído pelo Windsor Copacabana. A comida era muito boa, mas insuficiente. O estilo nouvelle cuisine não agradava a Simonsen.
O Antiquarius, no Leblon, nesse sim, Simonsen se sentia em casa. Ali, na mesa de fundo, ele já cantou trecho de uma ópera, com sua voz de tenor, contou muitas e muitas histórias, de diversos governos, sempre com seu estilo simples e franco, e, algumas vezes, quase sempre, tomava suas duas garrafinhas de vinho, mas sem nunca alterar sua capacidade de pensar e refletir sobre os mais variados temas, desde os mais triviais e mundanos até os mais sofisticados.
Já saiu muitas vezes dali para fazer conferências, participar de
reuniões de conselho ou de reuniões empresariais, e o raciocínio ele carregava
intacto. Bem, aos gênios tudo é permitido, tudo é possível.
Quando chegou o celular, e já começava a virar moda ou febre, numa das
vezes que estávamos no Antiquarius, duas moças, sentadas ao nosso lado, uma na
frente da outra, falavam no aparelho ao mesmo tempo. Não resisti e perguntei ao
professor: “O senhor tem celular? A resposta, afiada, veio na hora: “Barros,
não. É o tal negócio, não me acho tão importante...”
Num dia, quando Manoelzinho foi recolher os pedidos, Simonsen disse que
a melhor comida do Antiquarius não estava no cardápio. A dobradinha, servida
aos funcionários. Simonsen tinha visto uns pratos passar no corredor em direção
à cozinha e perguntou a Manoelzinho o que era aquilo? Eram os pratos de
dobradinha. O glutão não teve dúvidas. Foi o seu pedido, e o meu também. O
prato foi incorporado ao cardápio, Dobradinha à Mário Henrique Simonsen, onde
ficou durante anos, mas, pena, não está mais lá.
A história, essa sim, permanece viva, assim como o sabor da dobradinha
servida com Frascati, no Antiquarius”.
Antiquarius
Rua Aristides Espínola, 19
Rua Aristides Espínola, 19
Leblon - Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2294-1049
Telefone: (21) 2294-1049
(*) Guilherme Barros é jornalista
e colunista da Revista IstoÉ Dinheiro (http://guilhermebarros.istoedinheiro.com.br/
). Nascido em 1959, em Niterói (RJ), Barros tem uma premiada carreira
jornalística tendo trabalhado nos principais veículos do país como Folha de
S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Revista Veja, Revista Época, Revista Exame
e Portal IG.
Nenhum comentário:
Postar um comentário