Eloína Telho
Colunista de Chá do Gastronomix
Meu affair com o matchá começou assim: senti-me atraída por sua
aparência de pozinho verde, sua apresentação linda e espumosa, dentro de uma
tigela de cerâmica especial, misturado com uma escovinha bem diferente. Nada de
saquinho, infusor, bule, o que de cara desconstruía todos os padrões que até
então conhecia. Depois, foi o gosto que me prendeu.
Estava diante de um chá verde, bem mais adocicado que o normal, ao
mesmo tempo amargo, de sabor complexo, que remetia ao gosto de peixe e alga;
era tudo e era chá. Mas constatei que se tratava de amor verdadeiro quando
conheci, na teoria, a cerimônia do chá japonesa, Chanoyu, em que o matchá se
torna protagonista de uma história baseada em princípios de respeito, harmonia,
pureza e tranquilidade. Casei-me com o matchá pelo Caminho do Chá!
Minha
cerimônia do chá matinal... O melhor jeito de despertar!
Essa
é a colherzinha de medida, feita em bambu, o chashaku. Eu gosto de coar antes
para não “dar bolinhas” no meio do chá!
Introduzido no Japão pelos monges budistas, que traziam o pó verde na
bagagem da China e o utilizavam para combater o sono ao praticarem a meditação,
conquistou a corte imperial e, depois, fascinou todo o povo. Mestres do Chá
institucionalizaram o ritual, que segue sendo transmitido por gerações não
apenas como performance artística, mas como postura de vida, disciplina do ser.
Tudo tem significado material e, ao mesmo tempo, espiritual. Os passos seguidos
são sempre os mesmos, os objetos utilizados carregam história.
Todo o ensinamento começa na chegada ao jardim do chá; é nele que se
inicia o caminho que levará à sala em que ocorrerá a cerimônia. A caminhada tem
a função de desligar os convidados do mundo cotidiano, da correria, da
ocupação, do ego, para reconectá-los ao momento; afazeres e circunstâncias
externas ficam para trás. A espera se dá em uma casinha própria, chamada de machiai,
onde todos os convidados se encontram, concentrados internamente. São recebidos
pelo anfitrião com uma inclinação, em sinal de respeito, sem palavras ou
maiores explicações, e seguem, um a um, à sala de chá.
Sala
de chá, na novela Sol Nascente, da Rede Globo. Imagem: www.globo.com.
A sala, construída em materiais simples e frágeis, lembra a
transitoriedade da vida, a efemeridade das estruturas. A decoração é simples;
em regra, a princípio, há um arranjo de flores, pira e caldeirão para o preparo
da água a ser utilizada. Tatames cobrem o chão onde os convidados se sentarão.
Momento de contemplação, até que o anfitrião reapareça, em nova reverência para
servir uma refeição leve e delicadamente preparada, sal e doce. Ao final, os
convidados retornam à sala de espera.
Após cinco toques de gongo, todos retomam individualmente o caminho da
sala de chá. Antes de adentrar a sala, lavam as mãos e a boca, em sinal de
respeito e purificação, para que o pó mundano se vá e só reste o silêncio. A
porta baixa da entrada da sala faz com que todos se ajoelhem. Flores
decorativas dão lugar a outros adornos, em regra um desenho simples, a água já
está sendo aquecida, a caixa com chá os espera. Só o que há é a harmonia
verdadeira, entre os objetos, entre as pessoas, naquele mundo particular. O
Mestre do Chá reaparece com uma vasilha em mãos, em que estão o chasen (o
batedor de matchá), a chashaku (um tipo de colher medidora especial) e o ochakin,
um pedaço de linho branco.
Começa a cerimônia. Gestos conduzem o preparo do chá, como uma
coreografia, e os convidados se servem de bolinhos. O chá chega ao primeiro
convidado, oferecido e recebido com reverências, que toma três goles, limpa a
tigela e entrega ao próximo convidado. A louça é sempre de rusticidade
marcante, em que são notadas até as pedrinhas misturadas ao barro moldado; não
há muitos detalhes, o esmalte é imperfeito e faz lembrar a nossa própria
essência: simples, inacabada, imperfeita.
Não há beleza óbvia, o transitório convive com o exuberante. Nada deve
perturbar o coração de quem se entrega ao ritual. Não há vaidade e reina o
respeito; tudo é simples, sincero e correto. Todos bebem na mesma tigela, o chawan,
como que se lembrando da igualdade entre as pessoas. Recebe-se a xícara com a
mão direita, apoiada pela mão esquerda, girando no sentido horário duas vezes,
com o lado mais interessante do chawan virado para o anfitrião; três goles, e o
chawan é devolvido.
O
Chasen!
Meu
Chawan de todo dia.
Ao final, todos os utensílios são examinados por todos; peças de arte,
cheias de história, viram o assunto. O anfitrião se retira e a cerimônia se
desfaz.
Tudo isso, para mim, é carregado de significado. Imaginar o ritual me
faz pensar ora em um balé, ora na própria poesia escrita e recitada.
Pessoalmente, ainda não tive oportunidade de participar da cerimônia, limito-me
a imaginar e assistir vídeos da internet...
Mas espero, em breve, estar pronta para experimentar essas sensações e
senti-las com todo o meu coração. O momento há de ser especial!
No Brasil, há cerimônias do chá conduzidas lindamente por Vinícius
Monfernatti, chazeiro maravilhoso do instagram @asaladecha, em Curitiba. Também
sei que Erika Kobayashi conduz cerimônias contemporâneas e já se apresentou na
Japan House, em São Paulo. Em novembro, encontrarei ambos, em uma cerimônia, no
interior de São Paulo, e volto para contar tudo, em detalhes, por aqui. Imagine
como estou ansiosa!
Esse
moço lindo é o Vinícius... E esse é o instagram dele! :)
Por enquanto, se quiser imaginar um pouquinho mais dessa lindeza,
sugiro o livro “O Zen na arte da cerimônia do chá”, de Horst Hammitzsch, com
prefácio delicado da Monja Coen. A leitura leva a gente a sonhar com cada
detalhe e já preparando a alma para aproveitar o momento!
Você já participou de alguma cerimônia de chá? Tem fotos lindas para
compartilhar? Não se acanhe, aguce ainda mais a minha vontade de participar do
ritual. Vou amar!
Ah, se quiser me acompanhar pelo
Instagram ou Facebook, lá estão as imagens que ilustram na prática tudo o que
falamos por aqui, feitas a partir do meu #momentomágico: @chazeira (insta) ou
@eloinachazeira (face). Te espero lá, para não morrermos de saudade até a
próxima quinta, certo?
2 comentários:
Já estamos aguardando fotos da cerimônia de Novembro!
Imagine a minha ansiedade! Contando os dias!
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