quinta-feira, 12 de outubro de 2017

CHAZEIRA // Cerimônia japonesa do Chá

Eloína Telho
Colunista de Chá do Gastronomix

Meu affair com o matchá começou assim: senti-me atraída por sua aparência de pozinho verde, sua apresentação linda e espumosa, dentro de uma tigela de cerâmica especial, misturado com uma escovinha bem diferente. Nada de saquinho, infusor, bule, o que de cara desconstruía todos os padrões que até então conhecia. Depois, foi o gosto que me prendeu.

Estava diante de um chá verde, bem mais adocicado que o normal, ao mesmo tempo amargo, de sabor complexo, que remetia ao gosto de peixe e alga; era tudo e era chá. Mas constatei que se tratava de amor verdadeiro quando conheci, na teoria, a cerimônia do chá japonesa, Chanoyu, em que o matchá se torna protagonista de uma história baseada em princípios de respeito, harmonia, pureza e tranquilidade. Casei-me com o matchá pelo Caminho do Chá! 
Minha cerimônia do chá matinal... O melhor jeito de despertar! 
Essa é a colherzinha de medida, feita em bambu, o chashaku. Eu gosto de coar antes para não “dar bolinhas” no meio do chá!

Introduzido no Japão pelos monges budistas, que traziam o pó verde na bagagem da China e o utilizavam para combater o sono ao praticarem a meditação, conquistou a corte imperial e, depois, fascinou todo o povo. Mestres do Chá institucionalizaram o ritual, que segue sendo transmitido por gerações não apenas como performance artística, mas como postura de vida, disciplina do ser. Tudo tem significado material e, ao mesmo tempo, espiritual. Os passos seguidos são sempre os mesmos, os objetos utilizados carregam história.

Todo o ensinamento começa na chegada ao jardim do chá; é nele que se inicia o caminho que levará à sala em que ocorrerá a cerimônia. A caminhada tem a função de desligar os convidados do mundo cotidiano, da correria, da ocupação, do ego, para reconectá-los ao momento; afazeres e circunstâncias externas ficam para trás. A espera se dá em uma casinha própria, chamada de machiai, onde todos os convidados se encontram, concentrados internamente. São recebidos pelo anfitrião com uma inclinação, em sinal de respeito, sem palavras ou maiores explicações, e seguem, um a um, à sala de chá.    
Sala de chá, na novela Sol Nascente, da Rede Globo. Imagem: www.globo.com.

A sala, construída em materiais simples e frágeis, lembra a transitoriedade da vida, a efemeridade das estruturas. A decoração é simples; em regra, a princípio, há um arranjo de flores, pira e caldeirão para o preparo da água a ser utilizada. Tatames cobrem o chão onde os convidados se sentarão. Momento de contemplação, até que o anfitrião reapareça, em nova reverência para servir uma refeição leve e delicadamente preparada, sal e doce. Ao final, os convidados retornam à sala de espera.

Após cinco toques de gongo, todos retomam individualmente o caminho da sala de chá. Antes de adentrar a sala, lavam as mãos e a boca, em sinal de respeito e purificação, para que o pó mundano se vá e só reste o silêncio. A porta baixa da entrada da sala faz com que todos se ajoelhem. Flores decorativas dão lugar a outros adornos, em regra um desenho simples, a água já está sendo aquecida, a caixa com chá os espera. Só o que há é a harmonia verdadeira, entre os objetos, entre as pessoas, naquele mundo particular. O Mestre do Chá reaparece com uma vasilha em mãos, em que estão o chasen (o batedor de matchá), a chashaku (um tipo de colher medidora especial) e o ochakin, um pedaço de linho branco.

Começa a cerimônia. Gestos conduzem o preparo do chá, como uma coreografia, e os convidados se servem de bolinhos. O chá chega ao primeiro convidado, oferecido e recebido com reverências, que toma três goles, limpa a tigela e entrega ao próximo convidado. A louça é sempre de rusticidade marcante, em que são notadas até as pedrinhas misturadas ao barro moldado; não há muitos detalhes, o esmalte é imperfeito e faz lembrar a nossa própria essência: simples, inacabada, imperfeita.

Não há beleza óbvia, o transitório convive com o exuberante. Nada deve perturbar o coração de quem se entrega ao ritual. Não há vaidade e reina o respeito; tudo é simples, sincero e correto. Todos bebem na mesma tigela, o chawan, como que se lembrando da igualdade entre as pessoas. Recebe-se a xícara com a mão direita, apoiada pela mão esquerda, girando no sentido horário duas vezes, com o lado mais interessante do chawan virado para o anfitrião; três goles, e o chawan é devolvido. 
O Chasen!  
Meu Chawan de todo dia.

Ao final, todos os utensílios são examinados por todos; peças de arte, cheias de história, viram o assunto. O anfitrião se retira e a cerimônia se desfaz.

Tudo isso, para mim, é carregado de significado. Imaginar o ritual me faz pensar ora em um balé, ora na própria poesia escrita e recitada. Pessoalmente, ainda não tive oportunidade de participar da cerimônia, limito-me a imaginar e assistir vídeos da internet...  Mas espero, em breve, estar pronta para experimentar essas sensações e senti-las com todo o meu coração. O momento há de ser especial!

No Brasil, há cerimônias do chá conduzidas lindamente por Vinícius Monfernatti, chazeiro maravilhoso do instagram @asaladecha, em Curitiba. Também sei que Erika Kobayashi conduz cerimônias contemporâneas e já se apresentou na Japan House, em São Paulo. Em novembro, encontrarei ambos, em uma cerimônia, no interior de São Paulo, e volto para contar tudo, em detalhes, por aqui. Imagine como estou ansiosa! 
Esse moço lindo é o Vinícius... E esse é o instagram dele! :)

Por enquanto, se quiser imaginar um pouquinho mais dessa lindeza, sugiro o livro “O Zen na arte da cerimônia do chá”, de Horst Hammitzsch, com prefácio delicado da Monja Coen. A leitura leva a gente a sonhar com cada detalhe e já preparando a alma para aproveitar o momento!

Você já participou de alguma cerimônia de chá? Tem fotos lindas para compartilhar? Não se acanhe, aguce ainda mais a minha vontade de participar do ritual. Vou amar!

Ah, se quiser me acompanhar pelo Instagram ou Facebook, lá estão as imagens que ilustram na prática tudo o que falamos por aqui, feitas a partir do meu #momentomágico: @chazeira (insta) ou @eloinachazeira (face). Te espero lá, para não morrermos de saudade até a próxima quinta, certo?

Beijos e bons chazinhos, em sua cerimônia particular! :)

2 comentários:

Unknown disse...

Já estamos aguardando fotos da cerimônia de Novembro!

Eloína Telho disse...

Imagine a minha ansiedade! Contando os dias!