quarta-feira, 6 de maio de 2015

ME BATA UM ABACATE // O amor de mundos improváveis

Sérgio Maggio
Cronista do Gastronomix

Quando Jonas percebeu a existência de Paula, estava lendo um livro de frases famosas de William Shakespeare. Quando Paula notou a presença de Jonas, ouvia canções pop do Pará no Iphone.

Sentados no metrô, naquelas desconfortáveis cadeiras frente a frente, de quando em quando, eles cruzavam os olhares. Havia um arrepio crescente na pele, uma faísca no ar.

A primeira vez que Jonas observou Paula lia as palavras:

“Assim que se olharam, amaram-se;
Assim que se amaram, suspiraram;
Assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo;
Assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio.”

A primeira vez que Paula fitou Jonas ouvia a letra da melodia:
“Você pode ligar pro meu celular
A hora que você quiser
A proposta está de pé,
Pra você passar o inverno comigo
E se a gente se der bem,
Passa o verão também.”

De pronto, Jonas pensou em se levantar, correr para o espaço central do vagão e, equilibrando-se no vazio, recitar um soneto decorado para todos ouvirem, como se fosse um desses ambulantes clandestinos que desobedecem as regras do metrô e vendem guloseimas baratas aos passageiros. Não teve coragem. Ela parecia perdida em seu mundo alheio.

Impulsiva, Paula sentiu vontade de pegar o IPhone da bolsa, fazer uma selfie com “cara de perdidamente apaixonada” e postar em todas as redes sociais:  #amoraprimeiravista, #excitada, #bocacarnuda, #queroumbeijo, #vidalouca, #paixãoquearrebata, #vidadesolteiratchau,

Conteve-se e seguiu, estação a estação, nesse jogo de olhares cada vez mais intenso.
O trem parece que voou até a derradeira estação. Chegou ao destino final. Ali, Jonas e Paula sairiam pela porta automática e seriam engolidos pela cidade sem tempo para flertes improváveis.

Como última tentativa, ele esperou ela se levantar e deixou o livro cair em sua frente, como uma cena barata de telenovela. Ela riu, tirou os fones do ouvido e balbuciou:

“Tem Facebook?”

Ele balançou negativamente a cabeça. Ela emendou: “Qual seu Whatsapp? Twitter? Instagram? Likendin?” Ele nervoso, com um medo incontrolável de perdê-la, emendou:

“Tenho CEP, RG, CPF, Título de eleitor e algumas dezenas de senhas alfanuméricas”.

E foi assim que Jonas, um homem do século passado, enlaçou-se a Paula, uma mulher do aqui e agora. Dizem por aí que os dois se visitam, mas cada um habita seu mundo. Ela postando cada menu que degusta com ele nas redes sociais.

#pratododiainlove, #vidademulherapaixonada, #namoradotop, #amoremcadagarfada, #romanceatenocachorroquente.
Ele enchendo a imaginação dela com fantasias literárias. Sempre conduzindo Shakespeare aos seus ouvidos:

“As palavras estão cheias
de falsidade ou de arte;
o olhar é a linguagem do coração.”

E foi assim testemunhando esse amor improvável, que fiz uma foto, de uma rosa boiando num lago de água esverdeada, Esta que acabei de postar no meu Instagram: #menospalavras, #maisflerte, #menosvirtualidade, #maisencontro, #menosostentação, #maissinceradade.

E para aqueles que deixaram de acreditar no encontro: #mebataumabacate!

O ABACATE DESSA COLUNA VAI PARA...
 a padaria que resolveu trocar o nome da torta de “nega maluca” para “bolo afrodescendente”.

Nenhum comentário: