Cronista do Gastronomix
Quando Jonas percebeu a existência de Paula, estava lendo um livro de frases
famosas de William Shakespeare. Quando Paula notou a presença de Jonas, ouvia canções pop do Pará no
Iphone.
Sentados no metrô, naquelas desconfortáveis cadeiras frente a frente,
de quando em quando, eles cruzavam os olhares. Havia um arrepio crescente na
pele, uma faísca no ar.
A primeira vez que Jonas observou Paula lia as palavras:
“Assim que se olharam, amaram-se;
Assim que se amaram, suspiraram;
Assim que suspiraram, perguntaram-se um ao outro o motivo;
Assim que descobriram o motivo, procuraram o remédio.”
A primeira vez que Paula fitou Jonas ouvia a letra da melodia:
“Você pode ligar pro meu celular
A hora que você quiser
A proposta está de pé,
Pra você passar o inverno comigo
E se a gente se der bem,
Passa o verão também.”
De pronto, Jonas pensou em se levantar, correr para o espaço central do
vagão e, equilibrando-se no vazio, recitar um soneto decorado para todos
ouvirem, como se fosse um desses ambulantes clandestinos que desobedecem as
regras do metrô e vendem guloseimas baratas aos passageiros. Não teve coragem.
Ela parecia perdida em seu mundo alheio.
Impulsiva, Paula sentiu vontade de pegar o IPhone da bolsa, fazer uma
selfie com “cara de perdidamente apaixonada” e postar em todas as redes
sociais: #amoraprimeiravista, #excitada,
#bocacarnuda, #queroumbeijo, #vidalouca, #paixãoquearrebata,
#vidadesolteiratchau,
Conteve-se e seguiu, estação a estação, nesse jogo de olhares cada vez
mais intenso.
O trem parece que voou até a derradeira estação. Chegou ao destino
final. Ali, Jonas e Paula sairiam pela porta automática e seriam engolidos pela
cidade sem tempo para flertes improváveis.
Como última tentativa, ele esperou ela se levantar e deixou o livro
cair em sua frente, como uma cena barata de telenovela. Ela riu, tirou os fones
do ouvido e balbuciou:
“Tem Facebook?”
Ele balançou negativamente a cabeça. Ela emendou: “Qual seu Whatsapp? Twitter? Instagram? Likendin?” Ele nervoso, com um medo incontrolável de perdê-la, emendou:
“Tenho CEP, RG, CPF, Título de eleitor e algumas dezenas de senhas
alfanuméricas”.
E foi assim que Jonas, um homem do século passado, enlaçou-se a Paula,
uma mulher do aqui e agora. Dizem por aí que os dois se visitam, mas cada um habita
seu mundo. Ela postando cada menu que degusta com ele nas redes sociais.
#pratododiainlove, #vidademulherapaixonada, #namoradotop, #amoremcadagarfada,
#romanceatenocachorroquente.
Ele enchendo a imaginação dela com fantasias literárias. Sempre conduzindo
Shakespeare aos seus ouvidos:
“As palavras estão cheias
de falsidade ou de arte;
o olhar é a linguagem do coração.”
E foi assim testemunhando esse amor improvável, que fiz uma foto, de
uma rosa boiando num lago de água esverdeada, Esta que acabei de postar no meu Instagram: #menospalavras, #maisflerte, #menosvirtualidade, #maisencontro,
#menosostentação, #maissinceradade.
E para aqueles que deixaram de acreditar no encontro: #mebataumabacate!
a padaria que resolveu trocar o nome da
torta de “nega maluca” para “bolo afrodescendente”.
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