quarta-feira, 6 de novembro de 2013

COLHERADA // Lembranças à mesa

Erika Klingl
Colunista e Crítica de gastronomia do Gastronomix

Hoje estou um tanto emotiva e já me desculpo antecipadamente por isso. Ao contrario das demonstrações de raiva do riquinho do camarote (personagem da semana devido a entrevista à Veja São Paulo), fiquei com pena dele...  fiquei triste em imaginar que esse rapaz precise investir tanto dinheiro para ter momentos de felicidade. E me lembrei que minhas melhores lembranças estão associadas à coisas simples. Boa parte delas, diga-se de passagem, sentada em uma mesa fartamente preenchida, não com 15 garrafas de Veuve Clicquot, mas com comida que aquece a alma.
Minha família por parte de pai é austríaca. Meu pai passou por severas dificuldades quando era criança no pós-II Grande Guerra. Às vezes ele nos conta como era difícil ter acesso à comida. Mingau - que nós, mineiros, adoramos - ele não come de jeito nenhum. E olha que dos 67 anos de vida, 57 ele já viveu aqui no Brasil...

Apesar disso, é um apaixonado por comida. E passou esse amor para mim. Na verdade, acho que essa é uma das características que tenho mais parecida com ele. E com a minha vó Mara, mãe dele que faleceu há três anos.

E quando lembro dos meus encontros com a minha avó, sempre havia um cheiro e um gosto familiar e delicioso. Ela era capaz de produzir comida de restaurante fino na cozinha de pouco mais de seis metros quadrados lá em Belo Horizonte. Bolinhos de ameixa, creme de baunilha com coulis de morango, rosbife acompanhado de batatas perfeitamente torneadas, pato assado com ervas... essas são apenas algumas das delícias que nos esperavam quando chegávamos depois de quase dez horas de viagem entre BH e Brasília na Variante II que me pai tinha.
Quando minha avó e meu avô morreram, com a diferença de poucos meses entre um e outro, a minha parte da herança foi a geladeira e o faqueiro. Nada fazia mais sentido para a neta que adorava ver (e comer) as delícias da vó Mara. Hoje a geladeira está em um lugar nobre, na sala da minha casa. Foi pintada de azul para cobrir o vermelho descascado da nossa Frigidaire da década de 50.

A comida tem dessas coisas. Ela é capaz de aprisionar as lembranças e as saudades. Não preciso gastar R$ 50 mil numa balada para ser feliz. Preciso de um pedaço de apfelstrudel e tudo está resolvido. 

Um comentário:

Clara Arreguy disse...

Que delicadeza! Amei seu pai (atleticano) e seus avós austríacos, com sua comida saborosa e suas histórias pungentes. Beijão, querida!