quarta-feira, 10 de abril de 2013

AO PÉ DO OUVIDO// Agora aguenta coração...

Por Rosualdo Rodrigues

A falta de curiosidade é falha grave em qualquer ser humano. Não a curiosidade em saber da intimidade alheia pelo mero prazer da fofoca (essa matou o gato). Falo da curiosidade em descobrir o que há por trás dos muros imaginários que nos cercam no dia a dia e nos dão a falsa impressão de que o mundo é a cidade em que a gente vive; que a cidade se resume às ruas pelas quais a gente transita diariamente; que tem bom gosto quem gosta do que a gente gosta; que a humanidade é a meia dúzia de amigos com quem tomamos cerveja no boteco pé-sujo ou vinho no restaurante fino; que a verdade está na fala do pastor ou do padre da igreja a que a gente vai aos domingos...
O não curioso deixaria de sê-lo se experimentasse o prazer que é descobrir e aceitar que existem diversas cidades dentro de uma mesma cidade; que há pessoas que vivem e pensam de maneiras muito diferentes da nossa e da dos nossos amigos; que se movem e se comovem por motivos completamente diversos dos nossos; que há verdades distintas daquela do sermão da igreja (verdadeiras o bastante para serem respeitadas)...
 A conseqüência disso é a constatação de que o mundo se torna infinitamente maior; de que temos muito mais opções de escolha na direção a seguir; de que contemplar a floresta do alto e ver o quanto ela é grande e diversa é bem mais interessante do que viver encolhido à sombra de nossa pequena árvore (por mais que seja confortável se recolher a ela quando necessário). E, melhor, que o tédio nunca nos alcançará se tivermos a humildade de assumir que a graça da vida é tentar desbravar essa floresta, mesmo sabendo que nunca conseguiremos conhecê-la por completo. 
Mas, espere aí, isso aqui não é uma coluna de música?! E o que é que o Waldick Soriano lá em cima tem a ver com tudo isso? Bom, divaguei... Eu queria falar mesmo era do preconceito musical antes de comentar dois documentários disponíveis em DVD imperdíveis. E que tratam de música, mais exatamente de música popular, não a Música Popular Brasileira, mas a música brasileira popular, tantas vezes alvo do desprezo de quem nunca teve curiosidade de conhecê-la mais a fundo... Essa que chamam de brega.
Duas mulheres, Patrícia Pillar e Ana Rieper, tiveram a curiosidade de que falo no início do texto. Motivadas pela música dita brega, foram atrás de histórias humanas e as transformaram em filmes profundamente tocantes. Respectivamente, Waldick – Sempre no meu coração e Vou rifar meu coração.
No primeiro, Patricia dispensa narrações óbvias e foca a câmera em Waldick, suas ex-mulheres, seus filhos, suas histórias... Com extrema sensibilidade, desnuda e expõe a alma do homem por trás dos óculos escuros e sob o chapéu. O ser humano que, como todo mundo sabe, não é cachorro não, mas não raro foi tratado pela vida como vira-lata. Waldick – Sempre no meu coração mergulha tão fundo na realidade do cantor, que às vezes parece até ficção. Das boas.
Vou rifar meu coração, de Ana Rieper, segue o mesmo caminho, embora se divida entre variados personagens que parecem ter escolhido (ou foram destinados a) viver o que dizem as letras de músicas como Eu vou tirar você desse lugar, de Odair José, ou a própria Eu não sou cachorro não, de Waldick. O marido traído, a outra, o homem que se apaixonou pela puta e a tomou como esposa... Tipos que a diretora foi encontrar pelo Brasil adentro, bem longe das ruas por que passamos todos os dias, muito diferentes da maioria das pessoas com quem convivemos, capazes de chorar por coisas que nos fazem rir. E ao mesmo tempo tão humanos quanto nós.

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