sábado, 11 de junho de 2011

ABOBRINHAS // Festas de junho


Luciano MilhomemColunista de Alimentação Natural do Gastronomix
Quando ainda comia carne, uma de minhas maiores satisfações em festas juninas era devorar um prato de arroz carreteiro. Às vezes, para variar, optava por galinhada quentinha com bastante vinagrete. Ou seja, eu ia às festas disposto a jantar. Só depois, passeava, paquerava, dançava forró. A primeira festa junina a que fui, quando já não comia carne, me fez pensar: “E agora? Será que vai ter graça ir à festa e não jantar?” Questão de hábito. Redescobri outras iguarias, mais compatíveis com minha nova dieta, e qualquer um é capaz de adivinhar várias delas.

Acerta quem pensa logo em pamonha. Afinal, o milho sempre foi presença obrigatória em qualquer boa mesa brasileira. Desde que não tenha recheio de lingüiça, pamonha cai muito bem numa dieta vegetariana – ou melhor, ovo-lacto-vegetariana. Salgada ou doce, satisfaz o paladar e mata a fome com a mesma competência de um pratinho de arroz com carne. Alguns arraiais oferecem a opção frita. É mais calórica, porém tão gostosa quanto.

Sempre quente e branquinha – ou nas variedades vermelha e adocicada ou marrom e caramelizada – também marca presença em festas juninas a célebre pipoca. Os vegetarianos stricto sensu podem se deliciar ainda com espiga de milho cozida. Para os lato sensu, há mais alternativas: canjica, curau, mungunzá, bolo.

Festas juninas, como o próprio nome sugere, são para festejar. Então, nada de paranóia com regime e soma de calorias. Costumo malhar dobrado antes e durante a temporada de arraiais. Assim, posso me divertir sem dor na consciência.

Pastéis são velhos inimigos da balança, mas costumam ser irresistíveis. Não faltam opções de recheio sem carne: milho, palmito, queijo, tomate, até banana e goiabada. Nas festas maiores – e um pouco mais distantes da tradição – não faltam opções de crepe e de pizza. Com tudo isso, quem precisa de empada, coxinha e os igualmente gordurosos espetinhos de carne?

Barriga cheia, pé na areia? Ainda não, “sô”! E as sobremesas? Sim, no plural, porque são muitas (e ninguém consegue se contentar com uma apenas): arroz doce, baba de moça, batata doce assada, biscoito de milho verde, biscoito de polvilho, bolo de fubá, bom-bocado, cocada, cuscuz, doce de abóbora, maçã do amor, mané-pelado (bolo de mandioca), paçoquinha, pé-de-moleque, quebra-queixo, quindim, suspiro. E as tortas? Há de tudo – banana, chocolate, coco, morango.

A essa altura, talvez empanturrado (mas feliz), tudo o que você quer e necessita é de bebida, se ainda não bebeu, é claro. Refrigerantes, cervejas e sucos não faltam, mas é sempre possível entrar realmente no clima e encarar um quentão (gengibre, pinga e canela) ou um vinho quente. Pronto.

Hora de parar, conversar, ver gente, passear pela “roça” e apreciar a decoração da festa, a elegância de quem se protege do frio (bastante comum nesta época do ano em boa parte do Brasil), a alegria e a desenvoltura de quem domina o arrasta-pé. Aliás, já refeito, por que não se unir aos bons e partir para um divertido “rela-bucho”?

Se o carnaval abre alas para a folia, a bizarrice, o impulso, a embriaguez, as festas juninas têm clima de romance, brejeirice, discreta sedução. É tempo do charmoso sotaque nordestino e do cativante jeito matuto do homem e da mulher da roça. Nada de pulos, arroubos, gritos.

É tempo de chamego, rosto colado, sorriso maroto. São João, com sua sabedoria, pede calma, compasso, quadrilha, oração. Santo Antônio, padroeiro dos namorados, combina com casório na roça, bandeiras coloridas, fogueira, maçã do amor. Pés no chão, olhos no céu. Comer, rezar, amar, e eu sei que é junho – como canta lindamente o bom e velho Alceu Valença, presença constante nas festas deste mês.

Junho - de Alceu Valença

Eu sei que é junho, o doido e gris seteiro
Com seu capuz escuro e bolorento
As setas que passaram com o vento
Zunindo pela noite, no terreiro
Eu sei que é junho!

Eu sei que é junho, esse relógio lento
Esse punhal de lesma, esse ponteiro,
Esse morcego em volta do candeeiro
E o chumbo de um velho pensamento

Eu sei que é junho, o barro dessas horas
O berro desses céus, ai, de anti-auroras
E essas cisternas, sombra, cinza, sul

E esses aquários fundos, cristalinos
Onde vão se afogar mudos meninos
Entre peixinhos de geléia azul
Eu sei que é junho!




(*) Luciano Milhomem é jornalista e bacharel em Filosofia. Mestre em Comunicação pela UnB, ele não come carne vermelha há 4 anos. Escreve mensalmente no Gastronomix.

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