sábado, 12 de fevereiro de 2011

ABOBRINHAS // O vermelho da carne


Luciano MilhomemColunista de Alimentação Natural do Gastronomix

Acaba de sair em português o livro “Eating Animals” (Comer Animais), do escritor norte-americano Jonathan Safran Foer. Nos Estados Unidos, dividiu opiniões quando chegou às prateleiras no final de 2009. Jornais de peso, como The New York Times e The Washington Post, reconheceram os méritos de Foer, mas foram ácidos em suas críticas ao escritor e seus argumentos a favor do vegetarianismo. O Los Angeles Times adotou linha mais condescendente. O simples fato, porém, de ter merecido resenha dos maiores jornais e revistas norte-americanos já indica a importância do livro e, principalmente, do autor. Parece que, de alguma forma, ele incomoda. Por quê? Assista a este video.

Ainda não li todo o livro de Foer, apenas trechos e as principais matérias jornalísticas e resenhas sobre ele. Isso bastou para eu pegar o “espírito da coisa”. Foer investiga a produção de alimentos em seu país com a mesma coragem e irreverência com que o cineasta Michael Moore vasculha os bastidores do comércio de armas em “Bowling for Columbine” (Tiros em Columbine).
Trata-se, portanto, de um livro-reportagem, com direito a entrevistas, estatísticas e relatos de visitas in loco. Tudo, claro, em defesa dos direitos dos animais, entre eles uma morte livre de crueldade.

Foer retrata a realidade dos Estados Unidos, mas deve haver pouca diferença dela em relação ao Brasil. São dois países com elevado consumo de carne, especialmente a vermelha. Se os brasileiros adoram um churrasco, os norte-americanos têm no barbecue um de seus pratos típicos. Lá, como aqui, já foram ao ar programas de TV sobre abatedouros, granjas e criadores de peixe para consumo em massa. Assim, Foer não conta nenhuma novidade digna de escândalo. O que chamou tanta atenção para Comer Animais foi o fato de Foer, um escritor respeitado como autor de obras de ficção (este é seu primeiro livro não-ficcional) emprestar seu prestígio a tema tão controverso.

Como se sabe, a alimentação está longe de ser apenas uma prática cotidiana destinada a saciar a fome. Ela integra a cultura. Pode mesmo ser parcialmente responsável pela identidade de uma pessoa ou de toda uma população. A comida e, por extensão, a culinária estão repletas de simbologias, e o ato de comer pode ter muito de ritualístico. Portanto, criticar uma dieta pode gerar atritos inimagináveis. É quase ofensa pessoal. Para alguns, é mesmo. Não deveria, mas chega a ser assim.

Já observei que, ao revelar em público não comer carnes, provoco mal-estar em algumas pessoas. É como se eu despertasse nelas uma culpa inconsciente. Não sou psicólogo. Não posso ir muito fundo nesse ponto de vista. Mas conheço quem afirme sentir pena dos animais e dizer levá-los à mesa apenas porque não consegue (ainda) viver sem carne.

Obviamente, por trás dessa culpa por matar animais para comê-los reside toda uma questão ética, e Foer toca nessa tecla – até por ter formação em Filosofia. Para ele e expressiva parcela de vegetarianos, pouco importa se o homem está no topo da cadeia alimentar e come animais por necessidade ou se bichos também devoram bichos (às vezes, de maneira tão ou mais cruel que aquelas dos abatedouros).

Também dão de ombros para o fato de que é impossível a um ser humano sobreviver sem matar – nem os veganos têm pleno êxito nisso. O que mais pesa na argumentação ética, para eles, é a consciência de que animais podem sofrer e, por isso, não merecem viver em cativeiro e morrer de maneira cruel. Na tentativa de ser pragmático, Foer defende, então, uma morte “digna”, sem crueldade para os bichos. Como fazer isso e, ao mesmo tempo, suprir uma demanda de bilhões de consumidores é outra história...

Para esquentar mais o debate, Foer ataca outra casa de marimbondos: a indústria e o comércio de carnes dos EUA. Ou seja, além de cutucar os carnívoros, ainda atiça a ira dos capitalistas, outra maioria em sua terra natal. Consta que só os Estados Unidos abatem mais de dez bilhões de espécimes por ano apenas para alimentação. Não me admira, portanto, que Foer tenha gerado tanta celeuma no país do hambúrguer. Fossem os tempos da Guerra Fria, e o escritor estaria entre os suspeitos de colaborar com os soviéticos. Seria um “vermelho”. Logo ele, um “verde” que adotou o vegetarianismo de vez após concluir a pesquisa para o livro.

Ao longo da vida, Foer oscilou entre os prazeres das carnes e uma dieta mais à base de vegetais. Com o nascimento do primeiro filho, e disposto a dar-lhe alimentação correta, Foer iniciou sua investigação sobre as tradicionais fontes de proteína. O resultado está em Comer Animais que, se gerou críticas e polêmicas, não foi motivo de nenhum pedido de reparação, até onde sei. O que está lá parece ser mesmo verdade.

Além disso, também atraiu simpatizantes, como a atriz Natalie Portman, convertida ao vegetarianismo graças ao livro. “Eating Animals mudou a maneira de eu escolher o que comer. Depois que o li, dei-o de presente a todo mundo que eu gosto. O livro me fez lembrar que o que escolhemos para comer não apenas nos define fisicamente, mas também nossa humanidade.”

Aos leitores brasileiros, carnívoros ou não, só me resta lhes desejar uma boa leitura como prato principal e um elevado debate como sobremesa. Cada um sabe de si. Bon appétit!
Clique aqui e veja uma entrevista do autor sobre o livro.
Comer Animais – Jonathan Safran Foer, Ed. Rocco, 320 páginas, R$ 41,50 (preço médio).
Eating Animals – Jonathan Safran Foer, Back Bay Books, 341 páginas, R$ 18,00 (preço médio), edição paperback. Já disponíveis em português e inglês nas livrarias Cultura.

(*) Luciano Milhomem é jornalista, mestre em Comunicação pela UnB, bacharel em Filosofia e não ingere carne de bípedes e quadrúpedes há 3 anos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto! Também sou vegetariana e fico contente em ver que mais pessoas deixam de comer carne a cada dia. A escolha das gravuras deram um toque a mais ao artigo! Patrícia Resende

Anônimo disse...

Bacana! Continue lendo e comentando nossos textos. É sempre bom ter retorno dos leitores.

Abraco,

Luciano.

Cecil disse...

Sempre que nós vegetarianos abrimos a boca, vem o festival de perguntas e uma certa tendência a sermos massacrados, condenados, prensados contra a parede. E são os onívoros que deveriam ser prensados. Quando os poupo, me arrependo, porque não tenho o luxo da tolerância deles.