sábado, 4 de dezembro de 2010

ABOBRINHAS // Natal verde


Luciano MilhomemColunista de Alimentação Natural do Gastronomix
Vivo dizendo que vegetarianismo nada tem que ver, necessariamente, com superioridade moral. Já afirmei isso aqui mesmo, neste espaço, em mais de uma crônica. E não me canso de repeti-lo porque realmente acredito que o mal é o que sai da boca do homem, como, aliás, está dito no Novo Testamento. A propósito, também gosto de lembrar que não tenho religião, embora nutra simpatia por algumas. Estou mais para agnóstico do que para ateu. Então, celebrar o Natal, para mim, tem mais importância cultural do que religiosa. Bem, o leitor já deve estar se perguntando: por que, diabos (ops!), o início desta crônica mistura vegetarianismo, moral, religião e Natal? Que salada é essa?

Pois é... Um assunto puxa outro. Como o leitor bem sabe, crônicas costumam inspirar-se no cotidiano, na atualidade. É tempo de Natal. Por que não ter essa data como tema de um artigo em um blog de gastronomia quando se sabe que, nesta época do ano, as pessoas têm na comida uma espécie de ritual? Natal é festa religiosa por excelência. E a religião tem sido um dos principais – se não o principal – bastiões da moral no Ocidente.

A alimentação, por sua vez, está presente em praticamente todos os cultos religiosos, assim como a própria ausência dela, o jejum. O vegetarianismo, como não poderia deixar de ser, é elemento importante de várias religiões, como o hinduísmo, para ficar em um exemplo. Portanto, Natal, religião, moral e vegetarianismo podem muito bem estar em um mesmo prato, ou melhor, em uma mesma crônica.

Já li o Novo Testamento algumas vezes. Acho tudo o que se atribui a Jesus muitíssimo interessante, especialmente suas palavras. Mas creio estar na descrição de seus atos os principais traços de sua personalidade. No que diz respeito à alimentação, por exemplo, Jesus parecia bastante humano.

Em Mateus (15: 17-18), está dito: “Ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e é lançado fora? Mas o que sai da boca procede do coração, e isso contamina o homem.” Pois bem, além de alertar seus seguidores para o fato de que o pior mal não está no que entra, mas no que sai da boca do homem, Jesus teria multiplicado pão, peixe e vinho para alimentá-los. Não consta que pregasse, por exemplo, a total abstinência do álcool, tampouco o vegetarianismo. Devia ser um tipo compreensivo, consciente das necessidades do corpo físico. Se é o “filho de Deus”, tanto melhor que não seja um repressor!

No Velho Testamento, por sua vez, aparecem, aqui e ali, sugestões de que a dieta vegetariana seria a mais indicada ao homem religioso. No Gênese (1:29), é o próprio Deus quem afirma: “Eis que vos tenho dado toda a vegetação que dá semente na superfície de toda a Terra, e toda a árvore em que há fruto e que dá semente. Sirva-vos isto de alimento.”

Em seguida, no mesmo Gênese (1:30), Ele reforça: “E a todo animal da Terra, e a toda criatura voadora do céu, e a tudo que se move sobre a Terra, em que há vida, tenho dado toda a vegetação verde por alimento; e assim se deu.” Por fim, no mesmo Gênese (9:4), sentencia: “Mas carne com sua vida – seu sangue – não deveis comer.” Para o profeta Isaías (66:3), “quem mata um boi é como quem mata um homem (...)” Então, a se crer no Livro Sagrado, comer carne seria um pecado?

Como se sabe, a Bíblia está sempre sujeita a interpretações. Estou longe de ser um exegeta. Então, cito o texto bíblico apenas a título de ilustração. Há no Cristianismo elementos de sobra tanto para quem defende a dieta à base de alface quanto para quem aprecia um leitão a pururuca no jantar. Acho que estou no meio termo. Nem a Virgem Santíssima me convenceria a devorar uma leitoa na noite de Natal! Mas discordo daqueles antigos sacerdotes egípcios, precursores dos veganos, que chamavam ovo de “carne líquida”. E, para mim, claro está que pecado, se existe algum, é permitir que pessoas involuntariamente passem fome.

Diferentemente dos hindus, para quem a vaca é sagrada, e os bichos jamais deveriam ir parar na panela, determinados seguidores de cultos africanos e afro-brasileiros chegam a fazer sacrifício de animais a seus deuses ou orixás. Há mesmo rituais em que as oferendas consistem em galinhas pretas ou em cabeças de bode. Repugnante? Pode ser. Mas, como bem sabem os antropólogos, isso faz parte da cultura deles. Não se deve simplesmente repudiá-los em praça pública.

Enfim, o debate prossegue. E o Natal se aproxima. O vegetariano precisa estar preparado para o festival gastronômico que normalmente sucede as orações e trocas de presentes. Uma bandeja de frutas e uma massa bem caprichada me bastam. Pães e vinhos sempre caem bem. Afinal, não teria sido mais ou menos assim a Santa Ceia? Bom apetite! Feliz Natal! Até 2011.

(*) Luciano Milhomem é jornalista, mestre em Comunicação pela UnB, bacharel em Filosofia e não ingere carne de bípedes e quadrúpedes há 3 anos.

2 comentários:

Dilza Milhomem disse...

Oi filhão
Adorei a sua crônica, um bom exemplo, de saúde e para os cristãos e uma reflexão ao respeito às outras crenças e a nossa individualidade.
Leio todas e tbem estou aos poucos
seguindo uma alimentação mais saudável.
Parabéns e Boas Festas!

Cecil disse...

Faltou a mãozinha de "like", como no Facebook, aqui embaixo. :)