Por Rosualdo Rodrigues
Sexta e sábado passados, o violeiro Roberto Corrêa apresentou no Teatro da Caixa, em Brasília, recital de lançamento do seu novo disco solo, Temperança, o primeiro desde Extremosa rosa, de 2002. Um disco raro, como são de hábito os trabalhos desse músico que nutre há anos dedicação comovente à pesquisa e à exploração de um instrumento ancestral, que ganha outra dimensão em suas mãos. Escrevi comentário sobre Temperança, publicado no Correio Braziliense on line na semana passada. Corrêa me ligou para agradecer, não pelos elogios, mas pela compreensão de sua proposta. Para quem escreve sobre música, é um privilégio estabelecer esse diálogo com um músico do nível dele. Por isso, acho que vale a pena transcrever o comentário aqui:
Ouvir Temperança é mergulhar em um mundo que parece se dissolver na modernidade deste início de século. Um mundo de narrativas orais, de histórias de assombração, de poesia aguçada e de uma melancolia tipicamente inspirada pela paisagem interiorana brasileira. Soa como uma continuidade de Extremosa rosa, de 2002, disco em que Roberto Corrêa começou a se aprofundar no projeto de dar voz a suas composições, fazendo dela (a voz) um terceiro vértice na relação íntima que já se estabeleceu entre o músico e a viola.
O que seria um risco para um artista que se firmou como instrumentista está longe de ser um problema para Corrêa, porque ele usa o canto não como meio de exibição vocal, mas como elemento essencial para construir alegoricamente esse universo um tanto ferido por parabólicas e automóveis. Assim Temperança se torna mais que o disco de um músico que, apesar da notável experiência, ainda se debruça sobre a viola com olhar curioso, sabendo que dela pode tirar algo mais. O violeiro é também o cantador de causos, o narrador, o poeta.
É bonita e até comovente a forma como Roberto Corrêa explora a musicalidade da fala em algumas músicas, caso de A morte veio me buscar, revisão da clássica história de assombração protagonizada pelo matuto esperto que engana a morte. Bonita também a capacidade de trazer para seu universo musical os versos do poeta Fernando Mendes Vianna (Coração verde cavalo, Rosa manga) e do folclorista Câmara Cascudo (Tardinha) ou de criar os próprios (tomando caminhos tão distintos quando o lirismo de Caliandra flor e a brejeirice de Recorte da triste hora, por exemplo).
As 18 canções de Temperança compõem, pouco a pouco, o retrato de uma brasilidade quase perdida, tirado pelo olhar contemporâneo e atento de um dos artistas mais notáveis que Brasília abriga. Aberto a infinitas parcerias — recentemente gravou com a Orquestra do Estado de Mato Grosso, com o pernambucano Siba e com a Orquestra à Base de Corda —, Roberto Corrêa parece alimentar nesses encontros a capacidade criativa que o torna capaz de surpreender a cada disco solo. Se Extremosa rosa, sete anos atrás, nos arrebatava, Temperança consegue superá-lo com sua tocante e melancólica beleza.
quarta-feira, 22 de julho de 2009
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Um comentário:
Roberto Corrêa é realmente fenomenal. Quem não conhece deve conhecer. ELZA
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