Nos dois últimos fins de semana rolou um projeto bem interessante no CCBB daqui de Brasília, o Caminhos Poéticos da Canção. Foram oito encontros em que músicos e letristas brasileiros tocaram e falaram sobre o processo de criação, principalmente a relação música-letra, diferenças entre letra e poesia, conexões música-literatura. Muita gente boa passou por lá: Chico César, José Miguel Wisnik, Fernando Brant, Luiz Tatit, Tavinho Moura, Luiz Melodia, Ricardo Cravo Albin, Carlos Rennó... Quem os ouviu deve ter saído se sentindo mais inteligente e com mais prazer em ouvir música.
Um desses encontros reuniu a poeta Alice Ruiz e Arnaldo Antunes. Daí trago uma historinha que, de certa forma, tem a ver com esse nosso querer juntar música e comida. Alice contou que, uma vez, ela faria com Wisnik uma apresentação em um evento para mulheres. Aí ele ligou para ela e perguntou se não teria um texto “bem mulher” para ele musicar para a ocasião. “Tenho uma receita de frango”, ela respondeu. Estava preparando um frango quando escreveu mentalmente o texto. Ele disse: “Então manda”. Alice se referia ao que se lê abaixo:
SEM RECEITA
Primeiro lenta e precisamente
Arranca-se a pele
Esse limite da matéria
Mas a das asas, melhor deixar
Pois se agarra à carne
Como se ainda fossem voar
As cochas soltas
Soltas e firmes
Devem ser abertas
E abertas vão estar
E o peito nu
Com sua carne branca
Nem lembrar
A proximidade do coração
Esse não!
Quem pode saber
Como se tempera o coração
Limpam-se as vísceras
Reservam-se os miúdos
Pra acompanhar
Escolhem-se as ervas, espalha-se o sal
Acende-se o fogo, marca-se o tempo
E por fim de recheio
A inocente maçã
Que tão doce, úmida e eleita
Nos tirou do paraíso
E nos fez assim sem receita
Primeiro lenta e precisamente
Arranca-se a pele
Esse limite da matéria
Mas a das asas, melhor deixar
Pois se agarra à carne
Como se ainda fossem voar
As cochas soltas
Soltas e firmes
Devem ser abertas
E abertas vão estar
E o peito nu
Com sua carne branca
Nem lembrar
A proximidade do coração
Esse não!
Quem pode saber
Como se tempera o coração
Limpam-se as vísceras
Reservam-se os miúdos
Pra acompanhar
Escolhem-se as ervas, espalha-se o sal
Acende-se o fogo, marca-se o tempo
E por fim de recheio
A inocente maçã
Que tão doce, úmida e eleita
Nos tirou do paraíso
E nos fez assim sem receita
A música está no CD Pérolas aos poucos, de Wisnik. Também pode ser ouvida no site de Alice (www.aliceruiz.mpbnet.com.br/index.html), onde se encontram outros textos dela musicados por Alzira Espíndola, Itamar Assumpção, Arnaldo Antunes e outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário