quarta-feira, 22 de abril de 2015

ME BATA UM ABACATE // A língua incorreta de Dona Otília

Sérgio Maggio
Cronista do Gastronomix

Dona Otília fez 90 anos no dia 21 de abril de 2015. Ela não gosta da data do seu aniversário. Diz que aconteceu muita coisa espetaculosa nesse dia. É o enforcamento de Tiradentes, festa de aniversário de Brasília, morte de Tancredo Neves. É muita competição para ela que sempre gostou de reinar absoluta sobre a atenção dos filhos, netos e bisnetos.

Neste ano, ela queria uma festança num restaurante cheio de gente. Mas os filhos e netos acenderam o alerta laranja.   É que a senhora não tem medidas na língua e se recusa a fazer um download  para a cartilha do politicamente correto dos tempos modernos.

Por exemplo. Dona Otília não consegue chamar pessoas com deficiência física de “especiais”. Para ela, tudo é aleijado, maneta, perneta, manco, fanho.  Outro dia, a filha levou uma amiga que tem uma garotinha Portadora de Síndrome de Down e Dona Otília ao ver a menina sentenciou:

— As crianças mongoloides são anjos de luz, balbuciou.
Foi uma saía justa. A mãe ficou ofendidíssima e arrancou a menininha do colo de Dona Otília.
 A família tentou, por exemplo, ensiná-la que não se fala mais “retardado”, agora é “portador de déficit cognitivo”. Ou “anão”, “pessoa prejudicada verticalmente”.  E ainda louco, “portador de transtorno mental”

—  Quer dizer que puta agora é “profissional do sexo? Ah, me bata um abacate!

Assustados os familiares, resolveram afastar, ao máximo, Dona Otília do mundo exterior. Temiam reações raivosas dos ofendidos.  Resolveram então organizar um jantar em casa, só para os íntimos. Dona Otília não ficou de toda satisfeita, mas aceitou a homenagem de bom grado.

Todos chegaram cedo e cheios de mimos e felicitações. O ex-marido da filha deu uma lembrança singela e foi obrigado a se justificar diante do olhar incrédulo de Dona Otília.
— Dona Otília não repare. É só uma lembrança. Nesse momento, sou uma pessoa “entre empregos”.

Dona Otília lembrou-se da aula do “politicamente correto”, que teve com a família.
— Desempregado, você quer dizer! .

Uma das netas, moderníssima, fez questão de apresentar a parceira homoafetiva. Ao que Dona Otília, logo identificou como uma legítima “sapatão 44.”

— Minha filha se você é feliz com ela, faço gosto. Agora, é bom fazer um regime, que a moça tá é gorda.

Durante a festa, Dona Otília seguiu encantada com Severino, um garçom  assumidíssimo. Logo,  estava chamando o rapaz de “Viado”, “Bicha”, “Pederasta”. Todo mundo reclamou, mas Severino adorou.

— Sou nascido no Semiárido. Entendo Dona Otília, justificou o gay.
— Semiárido quer dizer nordestino, né cabra, replicou a senhora.
Ah, Dona Otília estava solta na festa.  Mas teve um momento em todos ficaram em pânico: Uma sobrinha-neta levou um amigo militante da causa negra. Tentaram evitar o encontro dos dois, mas não teve jeito. Eles ficaram frente a frente e conversavam animadamente para pânico geral.

— Adoro gente de cor, que assume seu cabelo duro, soltou Dona Otília.
O rapaz ficou calado, pensativo, e disse:

— Entendo a dificuldade que a senhora deve ter para entender que eu sou um afrodescendente e meu cabelo crespo reflete o orgulho da minha raça. Afinal, para uma pessoa da terceira idade que deve ter presenciado os resquício da escravatura.

— Terceira idade? Me bata uma abacate! Meu pretinho, eu sou uma velha pelancuda e lascada da vida, chegada num samba, que deu pra tudo que foi negão na adolescência e que adora conhecer gente diferente.

Os dois passaram a noite entre carinho e gargalhadas.

O ABACATE DESTA SEMANA VAI PARA ... que atirou num tatu e acertou a sogra. Isso é acerto paralelo.

http://www.gadoo.com.br/noticias/homem-atira-em-tatu-bala-ricocheteia-no-casco-do-animal-e-acerta-sua-sogra/

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