segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

EU RECOMENDO // Uma casa polonesa, com certeza


Por Viviane Kulczynski (*)
Convidada especial do Gastronomix

“Lembranças de infância passam necessariamente pela mesa. Passaram pela minha, quero que passem pela de minha filha. Não economizo nos sabores que ofereço a ela. Pode não resultar em grande coisa, mas ela terá experimentado algo de diferente até moldar seu próprio paladar.

Numa época da vida, a gente aceita tudo. Manuela, a pequena, que o diga. Aí a gente cresce e torce o nariz para um monte de coisa. E só depois de muito tempo é que vai cair a ficha: “Caramba, por que não aproveitei aquilo?”

Bom, uma coisa aproveitei: os sabores da minha origem - polonesa. Qual criança acharia legal, bacana e gostoso traçar uma sopa de sangue de pato? Nojento, diziam os amiguinhos. À primeira vista, tinham razão. Escuro, gosto forte, cheiro idem. Mas uma delícia a czarnina (fala-se “tiarnína”).

Comi czarnina até que a última dos Kulczynski que faziam o prato não tivesse mais condições de ir para a cozinha. Era Tia Voádia, mulher de Tio André – a dupla mais polonesa da família, em hábitos e que tais. Na família, não se comprava o sangue à parte e o pato limpinho e pronto para ir à panela.

Havia o ritual de escolher o melhor bicho do quintal, torcer-lhe o pescoço, pendurá-lo pelas patas no marco de madeira da varanda, recolher o sangue escorrendo em jato e, depois, em gotas... O segredo era o tempero e o jeitinho de não deixar o caldo coagular nem talhar. O bicho ainda seria escaldado, depenado, retalhado e preparado como acompanhamento. Bem como o macarrão “cabelinho de anjo”. Sequinho de véspera, o suficiente para não ficar grudento nem quebradiço.

Tudo isso para chegar a um endereço que não existia na infância, mas faz minha alegria toda a vez que volto a Porto Alegre. O Polska Restauracja. Ali a czarnina é apenas uma das pedidas. Não está oficialmente no cardápio, mas é preparada sob encomenda. Seguindo seu próprio ritual, o das famílias Jakubowski e Kowalczyk. Há quem compare o prato à galinha cabidela ou ao molho pardo. Pois bem, uma lição que fica sobre a gastronomia polonesa: tudo parece alguma coisa. Mas nada é bem aquilo. Então, czarnina é czarnina.

Pierogi é pierogi. Não é blini nem pastelzinho. O “Pierogi Z Ceren” é uma massinha moldada como uma meia-lua, recheada de ricota (pode ser doce também) e cozida em água fervente, levada à mesa com molho de nata, cebola e bacon crocante.

Kluski é kluski. Não é spätzle nem fusili artesanal. É uma massa mole de batata, cozida além do ponto (nada de al dente), normalmente servida com molho de nata e cogumelos (pode vier no formato de bola e não em pedaços, como no Polska).

Bigos é bigos. Não é chucrute. A base é a mesma: repolho – mas apenas o branco e, em alguns casos, couve – preparado com pedaços de porco, de vitela e linguiça. Bigos em polonês significa “confusão”. O prato é cardápio certo todo 26 de dezembro, mas ninguém explica o porquê.

Knedle é knedle. E não um nhoque gigante. O bolo de batata imenso leva recheio de ameixa preta e costuma acompanhar lombinho à milanesa ou almôndegas de porco. Costuma ser cozido, mas há quem o faça frito.

Todas essas delícias – e muito mais, começando pela sopa do dia, que pode ser de beterraba, de centeio, de repolho, de batata ou cogumelos - compõem o cardápio festivo do Polska (em tempo: poloneses não precisam de data para celebrar; estar à mesa é uma farra em si). A chamada Mesa Polonesa é como um rodízio. Mas não é um rodízio. É um convite às sensações.

Um brinde. Na zdrawie! (fala-se “nazdróvia)”

Polska Restauracja
Rua João Guimarães, 377
Porto Alegre - Rio Grande do Sul

Telefone: (51)3333-2589
Site:
www.polskarestaurante.com.br

Viviane Kulczynski é mãe de Manuela e costura roupas para crianças. Jornalista gaúcha, ela trabalhou como repórter e editora do jornal Estado de S.Paulo, na Editora Abril e no Jornal zero Hora. Vencedora do Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo, foi também finalista do Prêmio Esso.

4 comentários:

Gabriela Diniz Kulczynski disse...

Vivi, parabéns pelo texto, que faz jus ao local. Sou Kulczynski de casamento, mas acho que gostar da comida já me faz um pouco mais "polonesa" :)

Mônica Brandão disse...

Vivi, parabéns pelo texto e pelas comidas deliciosas. Deu fome de tudo!
beijos
Mônica

Rachel Mello disse...

Hummmmmmmmmmmm, que delícia tudo!

repuchalski disse...

Excelente!!! Cresci comendo czarnina e kluski, hoje ainda como sopa de kluski mas czarnina? ah, que saudade dessa sopa.