ÁO PÉ DO OUVIDO // Alguém conhece a canção

Por Rosualdo Rodrigues

O que leva um cantor ou cantora a regravar uma música como Chega de saudade ou Fly me to the moon, que já têm dezenas de outras gravações, algumas marcantes? Só para ficar nos exemplos dados, lembrem das interpretações de João Gilberto e Elizeth Cardoso, no caso da primeira, e de Frank Sinatra e Julie London, na segunda. Isso sem contar a meia dúzia de outras gravações brilhantes que cada uma ganhou depois... Quer dizer, a essa altura, se alguém se propõe a cantar alguma delas deve fazê-lo se tiver muuuuuita personalidade ou coragem e criatividade o bastante para virá-la pelo avesso. Como faz Anna Ternheim com Fly me to the moon em seu disco mais recente, Leaving on a mayday.

Por outro lado, é interessante quando somos surpreendidos com regravações de músicas que ficaram perdidas em algum lugar do nosso inconsciente. Vira uma espécie de brincadeira entre o artista e quem ouve. Ele: "Lembra dessa?". E você: "Caramba! É mesmo!". Dois discos que acabam de sair fazem isso: Concerto, de Zeca Baleiro, e O lado oculto das canções, de Célia. Os dois são discos de covers -- o do Zeca traz duas inéditas.

Zeca Baleiro foi achar não sei onde a música Chuva, que eu ouvi me esforçando para lembrar de onde conhecia. Depois de um tempo me dei conta que era um antigo sucesso radiofônio dos anos 70 ou 80, de um cantor/compositor chamado Gilson. Outro achado é Desengano, de Lula Côrtes, gravada por Fagner muitos e muitos anos atrás. Eu não matei Joana D'Arc, do Camisa do Vênus ganhou uma versão bem interessante, ainda que os fãs da banda baiana devam dizer que nem se compara ao original. Vale a ousadia. Mas o disco de Zeca também tem umas regravações que não influem nem contribuem, como a que ele faz de Autonomia, de Cartola, que -- aí sou eu que digo -- até hoje não teve nenhuma versão tão bonita quanto à do próprio autor.

Célia é uma cantora de longa carreira, mas que não repercute muito na mídia -- está comemorando 40 anos de atividade. Uma pena, porque a voz dela é maravilhosa. Eu não lembrava disso até ouvir recentemente um disco chamado Elas cantam Paulinho (da Viola), em que ela participa. E em seguida esse O lado oculto das canções. O disco traz umas versões intimistas, jazzísticas, para músicas que são, em grande parte, sucessos populares que você jamais imaginaria naqueles arranjos.

Ouvi Vinho antigo com a mesma sensação que tive ao ouvir Chuva, de Baleiro, até lembrar que era cantada por Biafra (pena que não achei a versão de Célia no YouTube) E Se não for amor, de Benito di Paula, e Êxtase, de Guilherme Arantes, também foram transformadas e o resultado é muito bom. Alias, o disco é todo fantástico, surpreendente. Se você nunca ouviu falar em Célia, aproveite a chance para conhecê-la... Ah, e ela canta também Não se vá, de Jane & Herondy, com ninguém menos que Ney Matogrosso.

PS -- A qualidade de gravação do disco de Zeca Baleiro é muito melhor do que o que se ouve nos vídeos do YouTube, claro.