segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
EU RECOMENDO // Almoço inesquecível em Lucena
Por Rodolfo Lucena (*)
Convidado especial do Gastronomix
“Durante uma viagem à Espanha, entre um maratona e outra, parei em Lucena. Foi uma espécie de expedição em busca das origens. Diz a lenda que daquela cidade andaluz partiram, por volta do século 15, os Lucenas que hoje se encontram espalhados mundo afora.
A região é ocupada há milênios. O museu local tem registros de ferramentas usadas na Idade da Pedra, e moradores da cidade dizem que restos de ânforas produzidas ali, datadas do ano 1 DC, foram encontradas em ruínas romanas.
Lá pelo século 9 de nossa era, o vilarejo virou refúgio de judeus, que ali se estabeleceram por séculos, sobrevivendo às invasões muçulmanas e convivendo com os poderosos de plantão na península ibérica. Até que o reino de Castela finalmente conquistou a hegemonia total e os expulsou do país.
Na fuga pelo mundo, assumiram nomes que pudessem disfarçar suas origens. Os egressos de Lucena adotaram o nome da cidade, que hoje é absolutamente católica, apostólica, romana, construída aos pés de uma montanha onde se ergue um santuário devotado a Nossa Senhora de Araceli.
Eis porque estava eu naquele vilarejo de 40 mil habitantes, numa tarde cinzenta e fria de fevereiro, vagando por ruas estreitas e labirínticas em busca de comida. Em plena quinta-feira, tudo o que tivesse semelhança com restaurante, bar ou lanchonete estava fechado. Mais: livrarias, lojas de discos, vendas de artigos esportivos e de suvenires também tinham as portas cerradas.
Pois já não era mais a hora do almoço, e sim a da sesta. Não para mim, que tomara café tarde, saíra para dar minha corridinha de lei, voltara para o hotel para um banho e uma descansadinha e agora precisava de carboidratos e proteína para alimentar o espírito.
Pergunta daqui, pergunta dali, sempre dando com os burros n’água. "A cozinha já fechou" era a resposta que se repetia, entre cadeiras de cabeça para baixo, baldes e vassouras limpando o estabelecimento. Até que encontrei um bar aberto. Ele obviamente estava funcionando. Uns três ou quatro sujeitos encapotados descansavam os braços no balcão, havia alguém que os atendia, ainda que todas as mesas do fundo estivessem vazias.
Ali também a cozinha tinha fechado, mas vi a máquina de café e o balcão com alguns frios gordurosos. "Nem um bocadillo frio e um chocolate quente?", pergunto eu. Ah, isso, sim, dá. E lá nos fomos para uma mesa no fundão do Cafe Bar Cartucho, olhados pelos demais convivas como seres de zoológico.
Nem imagino a impressão que eles tiveram quando dei a primeira dentada naquele maravilhoso sanduíche de morcilha. O embutido supertemperado é feito de sangue de porco e ingredientes outros que é melhor não mencionar, resultando numa saborosíssima iguaria, ainda que paladares mais delicados torçam o nariz para ela.
O bocadillo era enriquecido com um queijo duro, juro que era um meia-cura, mas mais para o esbranquiçado do que para o amarelão gorduroso que costuma caracterizar esse tipo queijo, lá na colônia, na serra gaúcha.
O pão veio seco, nem sequer uma passada rápida de mantequilla, mas havia o denso óleo de oliva extravirgem produzido ali mesmo, em Lucena, terra de grande olivais e de várias indústrias azeiteiras bem faladas em terras de Espanha.
Acompanhando tudo, chá e chocolate quente, bem quente, fervendo, de queimar a boca e arder a goela, aquecendo até o dedão do pé, por mais frio que venha o vento. Por isso tudo e mais um pouco, recomendo a todos uma visita ao Cafe Bar Cartucho, em Lucena.”
Cafe Bar Cartucho
Plaza Alta Y Baja, 30
Lucena, Espanha
(*) Rodolfo Lucena, 52, editor de Informática da Folha de S.Paulo e do blog +Corrida (http://rodolfolucena.folha.blog.uol.com.br/ ), é ultramaratonista e autor de "Maratonando, Desafios e Descobertas nos Cinco Continentes" (ed. Record) e de "+Corrida" (Publifolha). Gaúcho, gremista, casado, cachorreiro, faz um bom churrasco e adora sanduíche aberto.
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