quarta-feira, 11 de março de 2015

ME BATA UM ABACATE // Acarajé com espumante

Sérgio Maggio
Cronista do Gastronomix

Eu adoro antropofagias, mas igual à que a socialite Celinha faz num terraço luxuoso de Copacabana estou para ver. Uma vez por mês, ela convida amigas riquíssimas da alta carioca para um evento discretíssimo. Os preparativos começam logo ao amanhecer quando uma decoradora chega com 120 rosas vermelhas especialmente cultivadas. As pétalas são aveludadas e cada flor, quando aberta, tem o tamanho de um rosto de uma coruja adulta.  Logo depois, o bufê atravessa o hall de entrada com caixas e mais caixas de espumantes importados do tipo rosé e iguarias reservadas em travessas de tradicional louça inglesa.

No terraço, todas as mesas estão cobertas por toalhas brancas rendadas. A alvura, aliás, predomina na decoração e só é quebrada por esse vermelho intenso das rosas, que lembra a boca de batom marcada na gola da camisa do marido fanfarão, àquela que estraga qualquer casamento. As convidadas atravessam o salão, todo trabalhado em porcelanato italiano, exibindo as bolsas e as roupas de pura grife. No caminho, encontram os garçons de fraque e bebericam água de borbulhas francesas. Ao centro, entre cortinas translucidas, um quarteto de cordas toca música instrumental brasileira. No repertório, o melhor de Pixinguinha e Heitor Villa-Lobos.  Pense num requinte.
A anfitriã Celinha surge elegantíssima, sempre com um vestido que nunca mais vai repetir. Agradece a presença de todas e, em discurso econômico, defende a importância da solidariedade dos ricos aos negativados (adjetivo da moda no Brasil). As mulheres abrem as bolsas e tiram o que pode. Euros, dólares, reais e cheques polpudos são despejados numa arca de ouro, que Celinha trouxe de uma viagem ao Egito antigo. O clima de chá das cinco segue quando um movimento altera o compasso da festa.

Duas cortinas vermelhas se abrem e três homens vistosos e de troncos desnudos tocam um atabaque contagiante. As convidadas correm coreograficamente como pombas urbanas em revoada. A luz do ambiente cai. Celinha avança ao centro do salão em velocidade mínima. Sob um foco de luz intenso, parece se concentrar em si. Fala algo inaudível. Aperta uma mão contra a outra. De repente, todas as socialites invadem o ambiente, agora irreconhecíveis em turbantes e vestes de baianas estilizadas. Só não lembram mucamas por um detalhe: o excesso de cristais Swarovski aplicados sobre as golas, babados e bainhas. Elas dançam em torno de Celinha. Mas não aqueles passos de candomblé. Algumas, visíveis bailarinas do passado, fazem até uma meia-ponta com os pés, outras movimentam-se com um lenço de seda ao vento à la Isadora Duncan. Fecham uma roda em torno de Celinha, que só se abre quando uma gargalhada possante ecoa pelo ambiente.
Celinha não é mais Celinha. Ri, bati ombrinhos e embola a voz. Está incorporada pela Maria Navalha, uma poderosa e respeitada entidade da Umbanda. Todas as socialites comportam-se como serviçais dessa rainha negra. Duas delas tiram de um legítimo biombo chinês um vestido vermelho de seda pura, desenhado por um famoso estilista francês, e vestem o corpo possuído de Celinha. Outra traz uma joia de rubi de preço incalculável à primeira vista. Devidamente paramentada, a Maria Navalha ganha cigarrilhas importadas de Cuba e espumante francês. Nesse momento, os garçons, agora vestidos com cangas africanas, servem às participantes acarajés com espumante.

Apesar de tantas facilidades, a Maria Navalha de Celinha é firme nas questões espirituais. Pede para as mulheres compaixão com os desvalidos e abre uma roda de atendimento, na qual cada uma tem direito a uma pergunta de cunho pessoal, que deve sempre ser dita à frente de todas as companheiras. Há quem pergunte sobre qual o melhor destino para a próxima viagem ao exterior. Ou se devem ou não partir para a vigésima intervenção plástica. Educadíssima, a Maria Navalha discorre como uma psicoterapeuta e passa “receitas” variadas para abrir os caminhos. Para uma delas, sugere uma tradicional galinha preta com farofa na encruzilhada. A moça pergunta se não poderia trocar por um faisão com cuscuz marroquino. A entidade ri e avaliza.
As mulheres aplaudem, giram, dançam e cantam um ponto de Maria Navalha em inglês. Acreditam que fica mais sonoro. Feliz, a entidade se despede. Celinha rodopia. Quatro rapazes, caracterizados de escravos bizantinos, avançam pelo salão segurando em cada mão a ponta de um edredom recheado com penas de gansos canadenses. Colocam a peça sobre o piso e Celinha cai desfalecida para o fim do transe. Um casal de paramédicos acompanha tudo, tira a pressão e verifica os batimentos da médium. Antes de recobrar a visão, o quarteto de cordas volta ao ambiente e as mulheres retomam as etiquetas.

Celinha contabiliza as doações. Amanhã, vai em comitiva entregar cada centavo a um orfanato em Realengo.  Lá, aliás, a Maria Navalha baixa, fuma charuto barato, bebe sidra e rodopia no chão batido com a mesma desenvoltura. Quando perguntei se ela sentia saudades do luxo de Celinha, gargalhou. “Nego, ali, se botar um trago da cachaça no estômago da grã-fina, ela empacota. Por isso, aguento tanta frescura. Agora, acarajé com espumante é quase um sacrilégio. Vejo aquilo e peço ao guia-maior: Pai, me bata um abacate!” 

O ABACATE DESTA COLUNA VAI PARA...
A pastora, que jura ser ex-lésbica, disse ter visitado o inferno 15 vezes e encontrado um Vale de Homossexuais, visto por ela em diversos ângulos. Sei...

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu quero ir nessa macumba

Bjs Serginhooooooooooo

Luiza