ABOBRINHAS // Dieta & chatice

Luciano MilhomemColunista de Alimentação Natural do Gastronomix

Outro dia, o irmão de um velho conhecido meu publicou um post sobre mim no Facebook: “Esse cara deve ser um chato.” Motivo: havia acabado de descobrir, ali mesmo, naquela movimentada rede social, que sou vegetariano. Dá para acreditar? Dá. Essa ainda é uma fama que persegue os vegetarianos. Para muita gente, inclusive que nunca conheceu um vegetariano, somos chatos simplesmente porque não comemos carne.

Preconceito mesmo. Ou sabe-se lá mais o quê! Tudo bem. Não desabei em prantos com o comentário provocador do irmão do meu amigo, mas fiquei pensando naquilo. O que levaria uma pessoa a pressupor que vegetarianos sejam chatos? Qual seria a relação entre dieta e chatice? Haveria alguma?
De início, faço uma concessão. Quem é demasiadamente exigente para comer tende a ser chato mesmo. Basta imaginar a clássica cena no restaurante quando um amigo ou amiga vira para o garçom e começa a fazer tantas recomendações sobre o pedido que acaba por alterar o prato completamente. “Por favor, na salada, peça para a cozinha substituir o agrião por rúcula, o tomate comum por tomate-cereja e retirar a cebola. Ah, e não quero croutons! Prefiro pão francês em fatias. No peixe, dá para trocar o molho de maracujá por chutney de manga?” Haja paciência! Agora, não se pode dizer o mesmo de um vegetariano que come tudo o que existe no planeta, exceto carnes.

Outra concessão: de fato, há muitos vegetarianos que parecem ter acabado de acordar de um sono profundo iniciado na década de 1960. Pensam, comportam-se, vestem-se como hippies e advogam os princípios de uma suposta Nova Era na qual deverá reinar a paz, o amor e o flower power. Nada contra os princípios dessa turma. Muito pelo contrário. Mas não há como negar a existência de um bando de chatos infiltrados nesse bem intencionado movimento. Só que seria injusto generalizar. Conheço poucos vegetarianos adeptos da bata branca.

Os “bichos-grilos”, porém, acabam por provocar comentários debochados, como o do irmão do meu amigo, nos quais reside, implicitamente, uma associação precipitada: a de que a dieta vegetariana segue necessariamente um princípio ético ou religioso ou ambos. Pouca gente se lembra, por exemplo, de que a Organização Mundial da Saúde recomenda ingestão moderada de carne vermelha. Agora, só falta alguém dizer que a OMS aderiu à contracultura! Não comer carne por sentir-se melhor fisicamente parece ser a última explicação que alguém consegue imaginar para a dieta vegetariana. Muitos preferem imaginar logo uma adesão ao movimento Hare Krishna.
Aqui vai uma lista muitíssimo reduzida e bem variada de vegetarianos famosos. Depois, ainda que seja dispensável, digo por que a incluo nesta crônica. Em ordem alfabética: Alanis Morissette (cantora e compositora), Candice Bergen (atriz), Claudia Schiffer (modelo), George Bernard Shaw (escritor), John Salley (ex-jogador da NBA), Kathy Johnson (ginasta), Martina Lavratilova (tenista), Montserrat Caballe (cantora lírica), Paul McCartney (cantor, ex-Beatle), Rodrigo Santoro (ator), Vincent Van Gogh (artista plástico).
Poderia citar centenas, mas isso me parece desnecessário. A lista acima,fruto de uma breve pesquisa na Internet, só ajuda a reforçar a ideia de que a diversidade entre os vegetarianos não permite generalizações do tipo “bicho-grilo”, “pode-crer”, “New Age” e, menos ainda, “chato”. Há políticos, músicos, esportistas, atores, atrizes, enfim gente famosa e não famosa que não gosta de comer carne por uma ou outra razão. Exercem um direito. Chato é quem implica com isso.
(*) Luciano Milhomem é jornalista, mestre em Comunicação pela UnB, bacharel em Filosofia e não ingere carne de bípedes e quadrúpedes há 4 anos.