Por Alcino Leite Neto (*)
Convidado especial do Gastronomix
"Os piqueniques, parece, começaram a ser feitos na Europa entre os séculos 17 e 18, quando se descobriu as vantagens da caminhada ao ar livre e da contemplação da natureza.
Quando eu era criança, nos anos 60 do século 20, eles ainda eram realizados com certa frequência no Brasil, ao menos no interior de Minas Gerais. Seguindo o modelo tradicional, uma toalha era estendida em algum terreno plano e sobre ela eram dispostos os petiscos e refrescos, os quais atacávamos vorazmente, depois do esforço do passeio a pé para alguma serra ou cachoeira.
O segredo de minha mãe, que costumava organizá-los, era não entregar o lanche todo de uma vez à criançada, mas ir apresentando-o aos poucos, numa longa série de guloseimas, o que tornava tudo mais divertido.
Começávamos com as empadinhas de frango (caipira, claro!), servidos (para não quebrarem durante a caminhada) nas próprias formas em que haviam sido assadas. Caso não viessem as empadas, certamente teríamos bolinhos fritos de arroz ou croquetes de carne, para introduzir o regabofe.
Entravam em cena, então, os sanduíches, feitos com pão de forma cortado de viés, depois que se retirava a parte dura da casca, num arremedo de "picnic" britânico. No recheio, fatias de queijo canastra, de salaminho italiano ou de lombo de porco (todos cortados bem finos, o que os deixava mais saborosos). Poderia haver também um curiosíssimo sanduíche de banana fatiada (também em cortes finos), com manteiga e açúcar, o que já introduzia as sobremesas aos guris: bolinhos de fubá, minicocadas, pés-de-moleque e, com muita sorte, marias-moles caseiras caseiras.
Posso estar enganado, mas os piquiniques caíram em desuso entre os brasileiros. É uma cultura antiga que se perdeu. Tenho a impressão de que muita gente passou a associar os piqueniqueiros com os farofeiros, o que é puro preconceito.
Numa das viagens que fiz a Berlim, há alguns anos, fui convidado para o aniversário de uma amiga alemã. O convite era estranhíssimo para mim: a festa seria no Tiergarten, um dos grandes parques da cidade, e às sete horas da noite. Fui até lá, imaginando que tudo se passaria num restaurante do local. Ao chegar, encontrei uma turma de umas dez pessoas sentadas em grandes panos esticados no solo, com pequenas mesinhas de plástico, repletas de quitutes. Era um piquenique, num recanto do parque, cercado de árvores e do aroma forte de mato.
Quando anoiteceu (era verão, e isso ocorreu bem tarde), os alemães acenderam lanternas na forma de lampiões, e continuamos ali, nos regalando com vinhos, cervejas, sanduíches de vários tipos, doces, além de frutas secas e frescas. De repente, as lanternas foram apagadas, cantamos o parabéns no escuro e devoramos (para não contradizer o ambiente tão grimminiano) uma "Schwarzwalder Kirshtorte" _o famoso bolo floresta negra.
Há toda uma cultura do piquenique que valeria a pena ser recuperada no Brasil, com sua sociabilidade amena e despreocupada, resgatando ao mesmo tempo a "gastronomia" do piquenique, com seus petiscos que precisam ser ligeiros, variados e, sobretudo, tão deliciosos quanto o passeio."
(*) Alcino Leite Neto é 49, é editor de Moda da Folha, jornal onde exerceu anteriormente as funções de editor da Ilustrada, do Mais!, de Domingo e de correspondente em Paris. Alcino escreve o blog Ilustrada na Última Moda (http://ultimamoda.folha.blog.uol.com.br/).
Convidado especial do Gastronomix
"Os piqueniques, parece, começaram a ser feitos na Europa entre os séculos 17 e 18, quando se descobriu as vantagens da caminhada ao ar livre e da contemplação da natureza.
Quando eu era criança, nos anos 60 do século 20, eles ainda eram realizados com certa frequência no Brasil, ao menos no interior de Minas Gerais. Seguindo o modelo tradicional, uma toalha era estendida em algum terreno plano e sobre ela eram dispostos os petiscos e refrescos, os quais atacávamos vorazmente, depois do esforço do passeio a pé para alguma serra ou cachoeira.
O segredo de minha mãe, que costumava organizá-los, era não entregar o lanche todo de uma vez à criançada, mas ir apresentando-o aos poucos, numa longa série de guloseimas, o que tornava tudo mais divertido.
Começávamos com as empadinhas de frango (caipira, claro!), servidos (para não quebrarem durante a caminhada) nas próprias formas em que haviam sido assadas. Caso não viessem as empadas, certamente teríamos bolinhos fritos de arroz ou croquetes de carne, para introduzir o regabofe.
Entravam em cena, então, os sanduíches, feitos com pão de forma cortado de viés, depois que se retirava a parte dura da casca, num arremedo de "picnic" britânico. No recheio, fatias de queijo canastra, de salaminho italiano ou de lombo de porco (todos cortados bem finos, o que os deixava mais saborosos). Poderia haver também um curiosíssimo sanduíche de banana fatiada (também em cortes finos), com manteiga e açúcar, o que já introduzia as sobremesas aos guris: bolinhos de fubá, minicocadas, pés-de-moleque e, com muita sorte, marias-moles caseiras caseiras.
Posso estar enganado, mas os piquiniques caíram em desuso entre os brasileiros. É uma cultura antiga que se perdeu. Tenho a impressão de que muita gente passou a associar os piqueniqueiros com os farofeiros, o que é puro preconceito.
Numa das viagens que fiz a Berlim, há alguns anos, fui convidado para o aniversário de uma amiga alemã. O convite era estranhíssimo para mim: a festa seria no Tiergarten, um dos grandes parques da cidade, e às sete horas da noite. Fui até lá, imaginando que tudo se passaria num restaurante do local. Ao chegar, encontrei uma turma de umas dez pessoas sentadas em grandes panos esticados no solo, com pequenas mesinhas de plástico, repletas de quitutes. Era um piquenique, num recanto do parque, cercado de árvores e do aroma forte de mato.
Quando anoiteceu (era verão, e isso ocorreu bem tarde), os alemães acenderam lanternas na forma de lampiões, e continuamos ali, nos regalando com vinhos, cervejas, sanduíches de vários tipos, doces, além de frutas secas e frescas. De repente, as lanternas foram apagadas, cantamos o parabéns no escuro e devoramos (para não contradizer o ambiente tão grimminiano) uma "Schwarzwalder Kirshtorte" _o famoso bolo floresta negra.
Há toda uma cultura do piquenique que valeria a pena ser recuperada no Brasil, com sua sociabilidade amena e despreocupada, resgatando ao mesmo tempo a "gastronomia" do piquenique, com seus petiscos que precisam ser ligeiros, variados e, sobretudo, tão deliciosos quanto o passeio."
(*) Alcino Leite Neto é 49, é editor de Moda da Folha, jornal onde exerceu anteriormente as funções de editor da Ilustrada, do Mais!, de Domingo e de correspondente em Paris. Alcino escreve o blog Ilustrada na Última Moda (http://ultimamoda.folha.blog.uol.com.br/).
2 comentários:
Alcino, lendo seu texto, duas lembranças me vieram à mente. A primeira corresponde à minha infância, no colégio Marista, aqui em Goiânia, onde não raramente a "tia" nos organizava o "lanche comunitário". Sobre a toalha estendida na grama, ela dispunha os alimentos e sucos, que disputávamos inclusive com as formigas. A segunda se refere à minha visita ao Hyde Park, em Londres. Apesar do dia frio, comprei um sanduiche, um suco de laranja, um tradicional bolinho inglês solado (muffin) e rumei para o parque, onde fiz o meu lanche ao ar livre, curtindo aquele clima único que me deixou tanta saudade.
Parabéns pelo texto!
E obrigada por ter reavivado essas lembranças.
Sarah
a palavra correta é piquenique.
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